terça-feira, 10 de novembro de 2009

FÉ E DÚVIDA


Introdução:
Vivemos em um mundo pós-moderno onde temos a época da fé e da dúvida estabelecida; a fé mistificada tem sido o alvo das pregações contemporâneas, mas a dúvida está estampada no rosto da sociedade atual. De onde viemos? Para onde iremos? Como viveremos? São perguntas cruciais à existência humana como um todo.
A temática deste artigo é discutir essa relação contundente entre a “Fé e a Dúvida” religiosa, pois, o nosso tempo precisa ser aclarado por estas duas palavras significativas. O apogeu do conhecimento em nosso tempo tem sido, acertadamente, caracterizado de “estados permanentes de dúvida” (ESTRADA, 1999, p.9). Ninguém segue mais os absolutos, pois, houve “uma mudança conceitual da verdade” (SHAEFFER, 1981, p.13), e assim, a dúvida dominou a mente dos homens contemporâneos.
O homem ficou abaixo da “linha do desespero” (SHAEFFER, 1981, p.16-17). E este desespero se acentua ainda mais quando o homem cai no mito da neutralidade, ou seja, o homem vive, respira, estuda com o senso de que tem sido neutro em suas interpretações da realidade existencial; sendo assim, afirmam que podem ser neutros no campo da fé ou da dúvida.
A ciência tem sido usada para promover tanto a fé como a dúvida; mas os cientistas ainda insistem na neutralidade. Como alguém já disse: “Como bem sabemos a maioria dos cientistas e eruditos insistem na neutralidade e objetividade da ciência. Postulam em conseqüência que a ciência não está influenciada ou afetada por sentimentos, fé ou critérios predeterminados a respeito da vida”. (RIESSEN, 1996, p.8).
Este tem sido o tempo no qual estamos inseridos como seres pensantes, pastores, teólogos e homens e mulheres que tencionam a clareza e a verdade. Ou ainda, pessoas que buscam sentido e coesão na realidade existencial deste mundo. A fé é questionada e a dúvida é valorizada acima de tudo. O que é benéfico para a religião a fé ou a dúvida?

terça-feira, 28 de julho de 2009

ESTUDANDO O LIVRO DE ATOS

IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL.
CURSO DE INTRODUÇÃO À BÍBLIA.





A IGREJA NA NOVA ADMINISTRAÇÃO PACTUAL.
João Ricardo Ferreira de França*
Texto: Atos 1.1-26.
Introdução:
O Livro de Atos dos Apóstolos tem sido deveras negligenciado pela Igreja de nossos dias. Essa negligência se dar por causa do desconhecimento fundamental e basilar do seu conteúdo histórico e teológico. É nosso dever resgatarmos este livro em nossa Igreja. A obra bíblica digna-se ser a continuação de uma obra anterior, pois, o seu autor começa dizendo que já havia escrito o “primeiro tratado” (v.1). Isto nos leva para algumas considerações introdutórias ao nosso curso:
1. O Nome do Livro: É curioso que o texto sagrado seja chamado de Atos dos Apóstolos. Alguns homens tem suscitado que o tema do livro deveria ser “Atos do Espírito Santo”, outros tem sugerido que deveria chamar-se “Atos Missionários da Igreja”. Surge-nos uma questão: O livro é peneumatocêntrico? Ou livro é missiológico? Seguiremos a posição de que o nome do livro poderia ser dado como “Atos de Cristo por meio dos Apóstolos”, pois, o seu autor diz que este segundo volume de sua obra foi escrito para narra o que “Jesus começou a fazer e a ensinar”. Quanto ao nome que tradicionalmente seguimos não temos objeção, pois, “Atos dos Apóstolos” dignificam a ação do Espírito de Cristo sobre a vida apostólica: na comunhão, na evangelização, e na vida eclesiástica conforme narrada no livro.
2. Autoria do Livro: O autor de Atos é “também o autor do Evangelho de Lucas; ele mesmo diz no prólogo de Atos. A primitiva tradição Cristã atribui a Lucas a autoria de Atos”.[1] O que atesta a favor dessa posição é o fato de que o escritor deste livro bíblico conhece “o Antigo Testamento na versão grega conhecida como Septuaginta, possui um ótimo conhecimento das condições políticas e sociais vigentes em meados do século I e tem o apóstolo Paulo em alta estima”.[2] É digno de nota que o autor passa a empregar o pronome “nós” a partir do capítulo 16.10.
3. Data e Ocasião: Qual a data em que Atos foi escrito nós posicionamos o livro na data de entre os anos 60 e 68, não pode ser uma data que passe do ano 70, pois, Lucas registraria a queda e a destruição de Jerusalém. Carson nos diz que a conclusão de Atos, “como argumentamos, indica que o livro foi escrito em c.62 d.c” [3]
4. O propósito do Livro: Qual a finalidade de Lucas escrever tal livro? “Parece que o autor tinha em mira a multidão crescente de novos cristãos e interessados que tivesse a mesma necessidade de Teófilo, de conhecerem os fatos autênticos da nova fé”.[4] Marshall sugere que Téofilo, ainda que fosse alvo deste escrito, não era uma pessoa definida sugerindo que Lucas “estivesse suprindo os cristãos de seu tempo, representados por Teófilo, com uma narrativa das origens cristãs, a fim de confirmar a autenticidade do evangelho que estava sendo pregado e ensinado.” [5]
Exposição:
Vs.1-5. Aqui nós temos a apresentação do prólogo do livro somos introduzidos aos conceitos fundamentais do livro. Somos informados que este livro trata-se de um segundo volume de uma obra anterior – neste caso o evangelho de Lucas – Também temos aqui o nome do personagem a quem este livro é destinado “Teófilo” (amado por Deus).
a. Apresentando que este registro deve-se ao fato da realidade da ressurreição de Cristo apresentada com incontestáveis provas.
b. As provas encontram-se registradas no primeiro livro (Evang. Lucas) no capítulo 24.36-43.
I – A MISSÃO DA IGREJA. (v.6-8)
Este texto tem algumas lições pertinentes para a Igreja de Cristo. Os discípulos haviam identificado a promessa do consolador sobre a Igreja como sendo a restauração do reino. A temática do Reino de Deus transparece na mente dos discípulos, todavia, Cristo centraliza-se em outro aspecto mais significante. Eles estavam preocupados com uma chegada do Reino de Deus, e ainda, não haviam dado conta de que estavam diante daquele que acabara de trazerrr o Reino ao mundo.
Os apóstolos pensavam “num reino terreno e judaico justamente como fazem os pré-milenistas, que tem em suas mentes um reino terreno e judaico, no segundo advento de Cristo” [6]. Cristo lhes responde dizendo “não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade;” no grego temos dois termos para descrever tais períodos (tempos e épocas); os vocábulos conforme o grego são Kronos e kairos. O primeiro termo indica largo período de tempo; enquanto que o segundo indica um curto tempo – ou um transcorrer rápido de tempo.
Cristo diz que não era da competência deles especularem quando haveria de se estabelecer o reino de forma plena, isto porque o Reino estava na proclamação Kerygmática (pregação) de Cristo e na promessa da chegada do Espírito Santo. Este é o ponto que temos diante de nós. Pois, não é o esforço humano que vai trazer a plena manifestação do Reino – mas o próprio poder de Deus! – aqui fica claro pelas palavras de Cristo. Então, Cristo volta-se e diz: “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (vs.8).
Como começa o versículo 8? Ele começa colocando-nos uma oposição, ou melhor, um contraste com aquilo que estava sendo dito pelos discípulos, ele diz: “mas” esta palavra é uma conjunção adversativa; e no texto grego “alla.” é uma palavra usada para expressar algo com intensidade, enfatizar, chamar a atenção. Cristo está dizendo que eles deveriam deixar de pensar escatologicamente concernente a um reino futuro e visível. A função da Igreja é proclamar a mensagem do Reino e não especular quando o reino será plenamente manifestado.
O nosso texto diz: “Recebereis” este verbo no texto grego é “lêmpsesthe” ele é um verbo defectivo, pois, está na voz média depoente, ou seja, é um verbo que tem a forma passiva, todavia, o sentido é ativo; o modo é indicativo e o tempo é futuro. O modo indicativo aponta para a certeza do recebimento. Eles de fato são assegurados disso, e o futuro indica que não é uma mera conjectura, mas expressa que isso de fato ocorrerá.
A questão diz respeito o conteúdo deste recebimento que é o “Poder”. A palavra que encontramos aqui é um substantivo no caso acusativo feminino singular, este termo no grego “dynamin” possui uma série de significados tais como ‘força’, ‘habilidade’, capacitação’. Como entender o termo aqui neste texto? Pensamos que a palavra deve ser compreendida no sentido de “habilitação’ ou ‘capacitação’. É um poder que capacita ou que habilita. Mas, quando vem tal poder capacitador? Em que momento a Igreja experimentaria tal poder? O texto nos diz que é quando “descer sobre” aqui Lucas usa um particípio grego “épelthontos”.
Sabemos que o particípio refere-se a uma ação passada com resultados duradouros; no caso em apreço nós temos um verbo no particípio aoristo que indica uma ação passada de forma completa e única – não repetida – ou seja, Lucas diz que a Igreja receberia tal poder depois de algo “descer sobre ela”, uma melhor tradução que expressaria adequadamente o sentido deste particípio seria “tendo descido sobre”. (derramado)
A questão é: o que seria “derramado” ou que “viria sobre” a Igreja? A resposta vem posteriormente, diz o texto “tendo descido o Santo Espírito”. Note que não é o poder que é derramado, mas o Espírito que gera o poder é que é derramado. Notemos que este Espírito é adjetivado como sendo santo. O atributo de santidade do Espírito não é negligenciado pelo Texto, refere-se que este poder que a Igreja receberia não seria corrompido, mas santo, pois, sua fonte é o Espírito Santo de Deus.
A Igreja não é santa em si mesma. Ela é santa porque é a habitação do Espírito Santo, outro aspecto teológico disso é que o Espírito Santo vem graciosamente habitar na Igreja. Ele é derramado sobre a Igreja conferindo a ele um poder sem igual neste mundo, um poder que somente ela tem e nenhuma outra instituição pode ter tal poder que é conferido à Igreja, nenhum Simão pode comprar tal doação divina!
Mas, sobre que vem o Espírito Santo? Sobre todos os homens? Não. O Espírito vem sobre o povo do pacto – este povo chamado Igreja – sobre ninguém mais, pois, o lugar de habitação do Espírito Santo. O Espírito seria derramado abundantemente sobre a Igreja neotestamentária “eph hymas”- sobre vós – Cristo particulariza a habitação do Espírito, assim como a redenção é particular, os efeitos e a aplicação da mesma redenção devem ser particulares. O mundo não pode receber o Espírito Santo, pois não vive no momento escatológico da ressurreição e ascensão de Cristo aos céus, e nem muito menos tem a esperança, esta outorgada pelo Espírito, da volta de Cristo[7]. O Espírito deve habitar naqueles que são alvos da morte redentora de Cristo. Isto significa que a habitação do Espírito é para os eleitos de Deus.
Com qual finalidade o Espírito seria derramado na vida da Igreja? Qual é a conseqüência disso na vida da Igreja? A conseqüência é que a Igreja seria transformada em proclamadora de Cristo ao mundo. O Espírito Santo habita na Igreja para fazê-la uma testemunha da obra de Cristo aos homens.
Cristo diz: “sereis minhas testemunhas” o autor do livro usa o verbo “esesthé,” que é um indicativo futuro na Segunda pessoa do plural. Chama-nos atenção o modo como este verbo está sendo o usado – ele está no indicativo – o modo indicativo aponta para um fato concreto, ou seja, de fato vocês serão minhas “testemunhas”. O uso do pronome possessivo aqui “minhas” - mou– indica-nos que Cristo continua sendo o Senhor da Igreja e que exige delas (das testemunhas) o não silenciar-se diante do mundo. O senhorio de Cristo é manifestado mesmo quando somos vocacionados a proclamar o evangelho, pois, sempre estaremos proclamando a Palavra de Cristo e não a nossa. A Igreja foi transformada e capacitada a ser “testemunha” o termo grego aqui “martyres” significa mais que pregar o evangelho com a voz, pois, o termo é usado para aquele que é martirizado por causa do evangelho. Ou seja, na vida e na morte a Igreja deve testemunhar de Cristo ao longo dos tempos. Cristo deve ser visto na pregação e na vida da Igreja – esta foi a capacitação que a Igreja recebeu do Espírito Santo.
Cristo não apenas nos promete a capacitação adequada, que é manifestada pelo Espírito Santo, mas também ele nos indica o caminho por onde a Igreja deve trilhar, por onde a Igreja deve agir. Ele diz: “em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.”
A missão deles era “informar todas as pessoas, em todos os lugares do mundo, a respeito de tudo quanto tinham visto, ouvido e tocado” [8]. Três proposições báscias são aprendidas aqui na vida da Igreja quando ela é habitada pelo Espírito Santo:
1. Sem o Espírito não há poder.
2. Sem poder não há testemunho eficaz
3. Sem testemunho não há avanço do evangelho.
II - A ASCENSÃO DE JESUS. ( VS.9-11).
Este texto é muito importante para a vida da Igreja cristão. Isto porque ele apresenta duas verdades singulares: 1 – a realidade da ascensão de Jesus. 2 – lança luz sobre a segunda vinda de Cristo.
No primeiro caso tencionamos afirmar que não se tratou de uma visão espiritual nem de uma ilusão. Esta elevação de Cristo aos céus ela foi visível e corpórea.
E no segundo caso, aprendemos esta valta será também do mesmo modo.
III – ESPERANDO EM JERUSALÉM (vs. 12-14).
Jerusalém ficava perto do Monte das Oliveiras. Lucas refere-se à distância com expressão “caminho de um sábado”. Essa distância era a que os regulamentos dos escribas permitaim a um judeu viajar num dia de sábado, ou seja, de 2.000 côvados, pois, “a viagem que poderia fazer num sábado era algo menor que um quilômetro”[9]. Os apóstolos estavam reunidos em um cenáculo, este local era uma sala grande de jantar, no segundo andar que tinha capacidade para mais de 100 pessoas.
Somos informados que havia muitas pessoas com os apóstolos formando uma congregação de cerca de 120 pessoas (Atos 1.15). Lucas apresenta algumas pessoas importantes incluindo a mãe do nosso redentor.
IV – ESCOLHENDO UM SUBSTITUTO PARA O MINISTÉRIO APOSTÓLICO. (vs.15-26).
Judas havia se suicidado e agora deveria haver algum para tomar parte no lugar que fora dele. O assunto foi apresentado por Pedro que citou o trecho do Salmo 69.25 associado com o Salmo 109.8. A escolha foi realizada pelo lançamento de sortes, então, Matias foi eleito para ser o novo apóstolo da Igreja, seguindo as credenciais apresentada pela Igreja. Duas verdades são claras aqui
1. A Igreja deve tomar decisões quando julgar necessário.
2. Estas decisões deve ser norteadas pela Palavra de Deus.


* O autor destes estudos é membro da Igreja Presbiteriana do Brasil. Candidato ao Sagrado Ministério pelo Presbitério do Recife. Está graduando-se em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, trabalha como Seminarista na Congregação Presbiteriana em Prazeres – Jaboatão dos Guararapes – PE.
[1] LIMA, Delcyr de Souza. Atos I – Capítulos 1-14. Rio de Janeiro: JUERP, 1994. (Série A Bíblia Livro por Livro), p.5.
[2] CARSON,D.A. Introdução ao Novo Testamento. Tradutor: Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.208.
[3] Ibid, p.218.
[4] CRABTREE, A.R. Introdução ao Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.154.
[5] MARSHAL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento – Diversos Testemunhos, um só Evangelho. Tradutoras: Marisa K.A. de Siqueira Lopes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.139.
[6] CARROLL, A.H. Los Atos, El Paso: Casa Batista de Publicações, 1989, p. 27.
[7] Estou pensando como teólogo bíblico, mas não estou negando que haja alguma operação do Espírito na vida daqueles que não são crentes, pois, sabemos que a doutrina da Graça comum diz respeito a essa operação do Espírito na vida dos não eleitos.
[8] LIMA, Delcyr de Souza. Atos I – Capítulos 1-14. Rio de Janeiro: JUERP, 1994. (Série A Bíblia Livro por Livro), p.6.

[9] BARCLAY, William. Atos dos Apóstolos. Argentina: Ediciones La Aurora, p. 21.

terça-feira, 21 de abril de 2009

TEOLOGIA BÍBLICA UMA DESCRIÇÃO

IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL
CONGREGAÇÃO PRESBITERIANA DE PRAZERES.
DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA EXEGÉTICA DO ANTIGO TESTAMENTO.
TEOLOGIA BÍBLICA DO ANTIGO TESTAMENTO
Prof. João Ricardo Ferreira de França.
Contatos: 3475-7544 / 8684-6461
jrcalvino9@gmail.com / jrcalvino9@hotmail.com
TEOLOGIA BÍBLICA – UMA BREVE DESCRIÇÃO.[1]


Por: Richard L. Pratt, Jr.

Uma tendência influente que se afasta da Teologia Sistemática pode ser determinada como tendo suas origens no movimento da Teologia Bíblica da Segunda metade de século 20. Esse movimento começou fora dos círculos evangélicos, mas tem determinado de maneira significativa a forma como estudamos as narrativas do Antigo Testamento. No esboço a seguir, trataremos de dois importantes pontos de vista do movimento da Teologia Bíblica.

I – A TEOLOGIA BÍBLICA E A LEITURA VETEROTESTAMENTÁRIA DE FORMA HISTÓRICA.[2]

Em primeiro lugar, desde o seu início, a Teologia Bíblica esteve comprometida com a leitura das narrativas do Antigo Testamento por meio de um enfoque histórico. As qualidades históricas do Antigo Testamento já haviam sido reconhecidas ao longo dos séculos de diversas maneiras, mas a Teologia Bíblica realçou-as como nunca. A Teologia Bíblica moderna foi profundamente influenciada pelas perspectivas filosóficas de Hegel (1770-1831)[3], o qual acreditava que o progresso histórico trazia unidade para toda a criação. A história continha a chave para a compreensão de toda a realidade.[4]Dentro desse ponto de vista, os intérpretes procuraram não tanto as idéias teológicas abstratas, mas, sim desenvolvimentos históricos por trás do texto. O enfoque histórico foi modificado por diversas figuras importantes que viam a Bíblia como uma história redentora específica (Heilsgeschichte)[5]. No entanto, a atenção interpretativa ainda estava voltada para o desenvolvimento histórico. O caminho estava aberto para descartar o conceito escolástico da Bíblia como a fonte de doutrina e tratar as Escrituras antes de tudo como uma fonte para reconstruir a redenção progressiva da humanidade por Deus.[6]
A perspectiva histórico-redentora cresceu rapidamente na Europa depois da Primeira Guerra Mundial.[7]
De uma forma ou outra, muitas figuras proeminentes continuaram enfatizando a história da revelação.[8] Teólogos norte-americanos seguiram essa tendência, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial[9]

II – TEOLOGIA BÍBLICA E A ABORDAGEM HISTÓRICO-REDENTORA.

Muitos intérpretes críticos importantes do século 20 concentraram seus esforços na compreensão dos atos poderosos de Deus registrados na Bíblia.[10]
Em segundo lugar, a Teologia Bíblica partiu do pressuposto de que esse direcionamento histórico-redentor era de importância central para a própria Bíblia. A Teologia Sistemática tradicional derivou seus termos da filosofia aristotélica,[11]mas o direcionamento dinâmico e histórico da Teologia Bíblica foi considerado a essência dos texto bíblicos em si. Essa convicção, com freqüência estava associada a uma distinção entre a mentalidade grega e hebraica. De acordo com a descrição apresentada, os gregos viam o mundo em termos abstratos e estáticos, mas os povos do Oriente Médio pensavam em termos de história concreta. As palavras de Beegle representam esse ponto de vista típico: “Os hebreus e outros semitas não pensavam em termos filosóficos especulativos...A língua hebraica era uma língua de ação e o Deus dos hebreus era tido como Aquele que agia”[12]
Durante a década de 60, o movimento da Teologia Bíblica sofreu uma parada brusca por meio dos estudiosos críticos que levantaram questões contra o conceito de atividade divina na história.[13]Barr e Gilkey mostraram a incoerência dos teólogos falarem como se Deus de fato agisse na história enquanto explicaram a maioria desses registros em termos de ciências naturais. Como argumentou Gilkey, os teólogos bíblicos críticos tentaram “abraçar o mundo com as pernas”.[14]
Um outra objeção foi levantada contra o conceito da mentalidade hebraica. Em sua obra monumental Semantics of Biblical Languge [ Semântica da Linguagem Bíblica ], Barr demonstrou envidências lingüisticas não apoiavam uma distinção acentuada entre o pensamento oriental e ocidental.[15] Os povos do Ocidente Médio com freqüência pensavam tão abstratamente quanto os do Ocidente e os ocidentais com freqüência pensavam tão dinamicamente quanto os orientais. Essa revelação mostrou-se um golpe decisivo contra a Teologia Bíblica.[16]

III – GEERHARDUS VOS E A TEOLOGIA BÍBLICA.

Embora a Teologia Bíblica esteja praticamente obsoleta, ela continua a influenciar os evangélicos dos dias de hoje. A figura mais importante do segmento evangélico [reformado] do movimento foi o primeiro professor de Teologia Bíblica de Princeton, Geerhardus Vos (1862-1949). Sua obra Biblical Theology: Old and New Testaments [Teologia Bíblica: O Antigo e o Novo Testamentos] é uma das obras evangélicas mais influentes deste século sobre Hermenêutica bíblica do Antigo Testamento.[17]Em Vos, encontramos as duas tendências da Teologia Bíblica. Por um lado, sua preocupação central é com os atos redentores e reveladores de Deus. Ele dividiu a história do Antigo Testamento em cinco épocas: 1) A era pré-redentora; 2) o período de Noé e os acontecimentos que levaram a ele , 3) o período entre Noé e os grandes patriarcas, 4) o período mosaico e 5) o período profético. Depois, concentrou-se na forma e no conteúdo da revelação divina peculiares a cada era.
Por outro lado, Vos afirmava que a história redentora era a “própria estrutura reveladora” da Bíblia e a “coluna cervical da revelação”.[18] Seguindo a distinção feita por J.S.Gabler (1753-1826),[19]Vos argumentava que a Teologia Bíblica descrevia a Bíblia.[20]Não se impõe sobre a Bíblia uma abordagem histórico-redentora; tal abordagem vem da própria Bíblia. Vos advertiu contra levar essa ideia ao extremo.[21]No entanto, muitos dos seus seguidores foram além do ele havia dito, sugerindo que o direcionamento histórico da Teologia Bíblica representa o próprio padrão teológico da Bíblia. Em oposição aos termos lógicos da Teologia Sistemática, eles supõem que os termos históricos refletem a própria coerência interna da Bíblia.[22]

IV – A RELAÇÃO ENTRE A TEOLOGIA BÍBLICA E A TEOLOGIA SISTEMÁTICA.

Quando uma abordagem histórico-redentora é identificada de maneira tão próxima com os próprios “termos e formas de pensamento” da Bíblia,[23]surge uma questão séria quanto à relação entre interpretação e Teologia tradicional. A maioria dos teólogos evangélicos insiste que a Teologia Sistemática deve adotar as descobertas de uma abordagem histórica-redentora, mas raramente argumentam com igual vigor que as limitações lógicas da Teologia Sistemática devem refrear a análise histórico-redentora. Mencionam ocasionalmente a necessidade de ambas as abordagens, mas não dão ênfase à dependência mútua.[24] Em vez disso, os teólogos bíblicos normalmente tratam a relação como uma rua de mão única, dando à análise histórico-redentora prioridade sobre a análise teológico-sistmática.[25]
Durante várias décadas, essa ênfase unilateral não apresentou problemas sérios nos meios evangélicos. Ao que parece, as perspectivas teológicas tradicionais impediram os teólogos bíblicos de irem longe demais. No entanto, à medida que movimento ganhou ímpeto nas últimas décadas, os intérpretes bíblicos sentiram-se livres para ignorar cada vez mais a Teologia Sistemática. É comum encontrar teólogos bíblicos deixando de lado a relevância de questões da Teologia Sistemática para a interpretação de histórias do Antigo Testamento. “Os escritores bíblicos não estavam nos dando sistemas de doutrinas”, dizem. “Devemos procurar o enfoque histórico-rendentor, não um sistema abstrato de ideias.”
Para evitar esta tendência perigosa devemos, em primeiro lugar, reconhecer que a história redentora não é a preocupação central de várias partes do Antigo Testamento.[26] A literatura de Sabedoria – Jó, Provérbios, Eclesiastes e alguns dos Salmos – por exemplo, tem muito pouco interesse na história redentora. Apesar de aparecer um ligação entre história, lei e sabedoria em estruturas pactuais,[27]o fato continua sendo que os livros de sabedoria praticamente não se dedicam a relatar a história redentora.
Além disso, como o próprio Vos observou, a Teologia Bíblica não reflete o princípio predominante de organização da Bíblia. A Teologia Bíblica usa um modelo histórico em vez de um modelo lógico, mas ainda assim reorganiza o Antigo Testamento.[28]A extensão desse novo arranjo pode ser vista ao constatarmos que as unidades básicas das Escrituras não são épocas históricas, mas sim, livros. Não encontramos o Antigo Testamento organizado como “Primeiro Capítulo da História”, “Segundo Capítulo da História” e assim por diante. Pelo contrário, ele é organizado em unidades literárias: Gênesis, Êxodo, Levítico...Trabalhando partir de uma estrutura literária histórico-redentora, Vos deduziu três épocas da história do Antigo Testamento a partir da primeira unidade da Bíblia, o livro de Gênesis.[29]Em seguida, prosseguiu incluindo quatro livros no período de Moisés e o resto dos livros do Antigo Testamento num único período profético. Esse tipo de análise dificilmente parece coincidir com o modelo de revelação dado nas Escrituras.
Além do mais, as várias maneiras como os teólogos evangélicos bíblicos dividem o Antigo Testamento em períodos nos leva a suspeitar que a Teologia Bíblica faz mais do que simplesmente descobrir as estruturas internas do texto. Há pouco concordância quanto à maneira como a história do Antigo Testamento deve ser considerada. Vos dividiu a história do Antigo Testamento e do Novo Testamento em sete períodos. Alguns seguem seu modelo,[30]mas outros se desviam consideravelmente dele.[31]
Com tantas disposições diferentes, podemos ver o quanto a Teologia Bíblica reorganiza a Bíblia.[32] A Teologia Bíblica segue um modelo que rearranja a Bíblia tanto quanto, senão mais, do que os modelos lógicos da Teologia tradicional.
O grande valor da abordagem histórico redentora é sua capacidade de nos ajudar a reavaliar o significado das narrativas do Antigo Testamento. É fácil ficarmos tão preocupados com as questões da Teologia Sistemática a ponto de deixarmos passar muito do que essas histórias ensinam. Nós as forçamos para dentro de nosso sistema teológico sem jamais observar como elas desafiam nossas ideias preconcebidas. De qualquer modo, devem ter cuidado para não cair no extremo de ignorar as questões da Teologia tradicional. Por meio de seus textos, os escritores das narrativas do Antigo Testamento deram aos seus leitores um sistema de crenças. Estavam preocupados com a padronização lógica das crenças bem como com a história da revelação.[33]Para entendermos suas histórias corretamente, devemos colocá-las dentro da estrutura de parâmetros lógicos bem como do desenvolvimento histórico.
Em decorrência disso, não devemos colocar nem a Teologia Bíblica e nem a Teologia Sistemática um acima da outra; é preciso que as posicionemos em pé de igualdade. As duas podem apresentar representações incorretas das Escrituras e ambas podem refletir os ensinamentos das Escrituras. Os dois pontos de vista são maneiras de se sintetizar o material, colocando-o em formatos úteis, cada um com o seus próprios pontos fortes e fracos. Ao aprendermos a empregar ambos os métodos, crescemos em nossa compreensão das narrativas do Antigo Testamento.

[1]Este estudo foi extraído do livro do PRATT JR, Richard L. Ele nos deu Histórias – Um guia completo para a interpretação de histórias do Antigo Testamento, São Paulo: Cultura Cristã, 1 edição, 2004,pp.102-106.
[2] Os tópicos não pertencem ao texto de Pratt, mas são inseridos para facilitar o estudo da matéria.
[3] Apesar de ser possível traçar as origens do movimento moderno da Teologia Bíblica até o discurso de Gabler em Altdorf no ano de 1787, seu desenvolvimento foi grandemente influenciado pela filosofia de Hegel. Ver W.Kümmel, The New History of the Investigation of its Problems (traduzido por S.Gilmour e H.Kee; Nova York: Abingdon, 1972), 98,120,132; E.P.Clowney, Preaching and Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans,1961),11; Interpreter’s Dictionary of the Bible s.v. “Biblical Criticism, History of”.
[4] Nas palavras de Hegel : “O espírito e o transcorrer de seu desenvolvimento são a verdadeira substância da história”. G.W.F. Hegel, Lectures of the Philosophical of World History (traduzido por H.B. Nisbet; Londres: New York, 1975), p 44.
[5] Dentre os estudiosos dessa escola estavam J.J.Beck (1804-1878) e E.W. Henstenberg (1802-1869). J. Bengel (1687-1752) normalmente é reconhecido como pai do movimento.
[6] G.E. Ladd, A Theology of The New Testament (Grand Rapids: Eardmans, 1974), p. 15-16.
[7] A maior realização foi a obra Theological Dictionary of the New Testament de Kittle. J. Barton, Reading the Old Testament (Fildélfia: Westminster, 1984), p.208-209.
[8] Childs, Biblical Theology in Crisis, p. 62.
[9] Childs, Biblical Theology in Crisis, p.21. ver as obras representativas em Essays on Old Testament Interpretation (org. por C.Westerman; Londeres: SCM,1963).
[10] Observe as obra seletivas desses teólogos bíblicos: G.Von Rad, Old Testament Theology (Teologia do Antigo Testamento – publicada no Brasil pela ASTE) [ traduzido por D.M.G Stalker, 2vols; Nova York: Harper na Row, 1962 [1972] e God at Work in Israel (Traduzido por J. Marks; Nashville: Abingdon, 1980); O.Cullmann, Christ and Time: The Primitive Christian Conception of Time and History (Traduzido por F.Filson; Filadélfia: Westminster, 1950), Salvation in History (Traduzido por S. Sowers: Nova York: Harper and Row, 1967); O.Piper, God in History (Nova York: Macmillan, 1939) e New Testament Interpretation of History (Princeton: Theological Book Agency, 1963); F. Filson , One Lord, One Faith (Filadélfia:Westminster, 1943), Jesus Christ: The Risen Lord (Nova York: Abingdon, 1956) e A New Testament History (Filadélfia:Westminster, 1964); J.W. Bowman, Prophetic Realism and the Gospel: A Preface to Biblical Theology(Filadélfia:Westminster, 1955) e Which Jesus? (Filadélfia:Westminster, 1970); G.E. Wright, The Book of Acts of God With R. Fuller ( Garden City: Doubleday,1960). Quando estava mais velho, Walter alterou sua posição e deslocou-se mais para a perspectiva de Eichrodt. Ver G.E. Wright, The Old Testament and Theology (Nova York: Harper and Row, 1967), p.61-67..
[11] Os termos que estruturam a Teologia Sistemática foram moldados pela filosofia aristotélica em grande parte pela influência da obra de Tomás de Aquino, Summa Theologica. Para um estudo corrente, ver W.T. Jones, The Medieval Mind (2ª ed., Nova York: Harcourt, Brace, Jovanovich, 1969), p. 211-212.
[12] D.M. Beegle, Moses the Servant of Yahweh (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p.69, conforme Barr resume o ponto de vista bíblico: “A abordagem dinâmica das realidades hebraicas é expressa em seu interesse pela História. Seu Deus é caracteristicamente um Deus que age na História e essas atos históricos são o cerne da tradição religiosa de Israel”. J. Barr, Semantics of Biblical Language (Londres: Oxford University, 1961), p. 11.
[13] Ver J. Barr, “Revelation Throught History in the Old Testament and Modern Theology”, The Princeton Seminary Bulletin, 56 (1963), p.4-14. L. Gilkey, “Cosmology, Ontology, and the Travail of Biblical Language”, Journal of Religion 41(1961) p.194-205.
[14] Gilkey, “Cosmology, Ontology”, 199.
[15] Barr, Semantics of Biblical Languge, p.263-296.
[16] Barr, Semantics of Biblical Languge, p. 202-262. Ver G. Hase para um breve resumo do movimento crítico da Teologia Bíblica, Evangelical Dictionary of Theology (org. por W. Elwell, Grand Rapids: Baker, 1984) s.v. “Biblical Theology Movement”.
[17] G. Vos, Biblical Theology Biblical Theology: Old and New Testaments (Grand Rapids: Eerdmans, 1948). Para a Bibliografia mais completa das obras de Vos, ver “A Bibliography of the Writings of Geehardus Vos (1862-1949)”, compilado por J.T. Denison, Jr. Westminster Theological Journal 38 (1976), p.350-67.
[18] Ver Vos, Biblical Theology, p.17-18.
[19] Para um bom resumo das ideias de Gabler, ver H.Boers, What is New Testament Theology?(Filadélfia: Fortress, 1979), p.23-38.
[20] De acordo com Vos, “Gabler percebeu corretamente que a diferença específica da Teologia Bíblica encontra-se em seu princípio histórico de estudo” Vos, Biblical Theology Biblical p.9. Essa ênfase sobre o elemento histórico é fundamental para sua própria descrição da Teologia Bíblica como “o estudo das verdadeiras revelações próprias de Deus no tempo e no espaço que encontram-se por trás até mesmo da primeira tentativa de escrever qualquer documento bíblico e que, durante muito tempo, continuaram a ocupar um posição paralela ao registro do material revelado”(p.5). Assim, ele define a Teologia Bíblica como “o ramo da teologia exegética que trata do processo de revelação própria de Deus depositada na Bíblia”(p.5); ver também pp.3-11; G. Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed, 1980), p.15.
[21] Ver, Vos, Biblical Theology, p. 15-16
[22] Hasel fez uma colocação ousada: “O teólogo bíblico deriva seus termos, assuntos, temas e conceitos do próprio texto bíblico”. Hasel, Old Testament Theology, p. 101-103, p.130. ver também J. Murray, ‘Systematic Theology II”, Westminster Theological Journal 26 (1963), p.43 e R.B.Gaffin, “Systematic Theology and Biblical Theology”, Westminster Theological Journal 38 (1975-1976), p. 294.
[23] Ladd, A Theology of the New Testament, p. 25.
[24] Por exemplo, Clowney, Preaching and Biblical Theology”, p.16 e Gaffub, “Systematic Theology ande Biblical Theology”, p.294-295.
[25] Ver Gaffin, “Systematic Theology and Biblical Theology”, p. 293-294
[26] Ver Barr, “Revelation through History in the Old Testament and in Modern Theology”, p. 6-7.
[27] Kline, Structure of Biblical Autority, p. 47.
[28] Vos afirma: “Não há diferença no sentido de que uma estaria mais intimamente ligada às Escrituras do que a outra. Quanto a isso, são absolutamente idênticas. A diferença também não se encontra em que uma transforma o material bíblico enquanto outra o deixa intocado. Ambas fazem igualmente com que a verdade depositada na Bíblia passe por uma transformação: mas a diferença surge do fato de que os princípios pelos quais é realizada a transformação são diferentes. Na Teologia Bíblica o princípio é histórico; na Teologia Sistemática, é de construção lógica”. Vos, Biblical Theology, p.15-16.
[29] Ver Murray, “Systematic Theology II”, p. 43-44, n. 23.
[30] Robertson, por exemplo, desenvolve os setes períodos da história da redenção baseado nas alianças espirituais. Ver. O.P.Robertson, The Christ of the Covenants (Grand Rapids: Baker, 1980), p. 62-63.
[31] Ver, W.C.Kaiser, Toward na Old Testament Theology (Grande Rapids: Zordevan, 1978), p.41-54; W. A. Vangemeren, The Progress of of Redemption (Grande Rapids: Zordevan, 1988), p.33.
[32] Murray argumentou que “A Bíblia em si tem consciência do períodos distintos nos quais a história da revelação se encaixa. Apesar da possibilidade de haver uma subdivisão mais detalhada dentro de certos períodos...”. Murray, “Systematic Theology II”, p. 43. No entanto, as variações entre os diferentes teólogos bíblicos sugerem que essa divisão pode não ser tão óbvia.
[33] Ver Frame, Knowledge of God, 251-254.
Exposição dos Cinco pontos do Calvinismo:
João Ricardo Ferreira de França.
I – Contexto Histórico – O Sínodo de Dort.

1. Sua Importância Política:

Em primeiro lugar o Sínodo de Dort é de peculiar interesse histórico para a Grã-Bretanha, pois – embora fosse principalmente um ajuntamento holandês – o rei James I foi, na verdade, responsável em parte por sua existência! Nos anos anteriores a 1618-19 ele somou sua forte influência a dos homens na Holanda que clamavam pela convocação de um Sínodo nacional, para pôr fim às controvérsias teológicas que estavam perturbando a paz, e mesmo pondo em risco a sobrevivência dos Paises Baixos. Ainda mais, James escolheu vigorosamente os representantes calvinistas contra os oponentes arminianos. E, quando um tal Vortius, homem justamente suspeito como de opinião sociniana [unitarino], foi indicado para susbstituir Arminius na Universidade de Leiden, após sua morte, James notificou ao Estado Geral da Holanda que retiraria seu embaixador se Vortius não fosse demitido imediatamente.
. Quando chegou o momento, James indicou cinco representantes para o Sínodo, todos do partido episcopal, que, juntamente com outros teólogos estrangeiros, teriam prerrogativas de participação nas deliberações do Sínodo além do direito de voto. Eram eles George Carleton, então bispo de Llandaff e posteriormente de Chichester; Joseph Hall, posterior e sucessivamente bispo de Exeter e Norwich; John Davenant, depois bispo de Salisbury; Samuel Ward, o celebrado erudito e mestre de Sidney Sussex College, Cambridge; e Walter Balcahqual, um escocês, capelão do rei e depois deão de Rochester. Hall adoeceu após alguns dias e ficou impossibilitado de dar continuidade às suas responsabilidades, mas foi substituído por Thomas Goad, capelão do arcebispo da Cantuária. É importante lembrar que estes homens não eram representantes do partido puritano da Igreja da Inglaterra.

2. Sua Importância Religiosa:

O Sínodo de Dort é também de grande importância por razões religiosas. “A controvérsia arminiana”, escreveu Philip Schaff, “é a mais importante que ocorreu dentro da Igreja Reformada”. Pode-se acrescentar que o sínodo que pôs fim à controvérsia, definiu claramente assuntos que sempre perturbaram a Igreja e continuam a perturbá-la ainda hoje.

2.1 – Na Origem do Problema:

Para entender-se o que ocorreu nos Paises Baixos, nas duas primeiras décadas do século dezessete, é necessário retroceder até o próprio Arminius e à origem da luta associada ao seu nome. James Arminius [latinizado de Jacob Hermanson] nasceu em 1560 e estudou em Leiden e Genebra na gestão de Teodoro Beza, sucessor de Calvino. Em 1588 tornou-se um dos ministros de Amsterdam, onde realmente começou o problema por causa da sua pregação relacionada particularmente com a exposição de Romanos 7. Os homens suspeitaram que ele estava saindo da confissão reformada, e houve considerável agitação na cidade por causa disso. Em 1630 foi indicado como professor de teologia em Leiden, em substituição ao célebre Franciscus Gomarus, um dos grandes teólogos da época, e assim ficou claro que Arminius tinha sérias objeções contra a doutrina da Igreja.
2.2 – O Exame ao Sagrado Ministério denuncia o problema:

Entretanto, agora, como antes em Amsterdam, mesmo tendo jurado não contradizer em seus ensinamentos a Confissão e aderir completamente a ela em suas lições públicas, dava, todavia, instrução em particular a certos estudantes selecionados, falando mais livremente de suas insatisfações e dúvidas. Seu sucesso em fazer prevalecer sobre os jovens seu próprio ponto de vista cedo tornou-se evidente quando estes se apresentaram ao exame dos Presbitérios para admissão no ministério. Arminius morreu em 1609 em meio à controvérsia, mas seu manto logo foi tomado por Johannes Uytenbogaert, o pregador da corte, e Simon Episcopus, seu sucessor na universidade.
2.3 – A Remonstrance manifesta-se contra a doutrina da Igreja.

Sob a liderança deles os arminianos, em 1610, prepararam uma representação (Remonstrance) [desde então passaram a ser chamados de os remonstrantes] na qual em princípio rejeitavam certas posições defendidas pelos calvinistas. Esta representação era formulada de tal maneira que oferecia mais uma caricatura do que uma representação correta da doutrina reformada; e prosseguiam asseverando em cinco posições [os cinco artigos do arminianismo] seus próprios pontos de vista; i.é, eleição condicional à presciência da fé; expiação universal [que Cristo “morreu por todos e por cada um, de forma que ele concedeu reconciliação e perdão de pecados a todos através da morte na cruz”]; a necessidade de regeneração para que o homem seja salvo [mas, como apareceu mais tarde, entendido de tal maneira que subestimava seriamente a depravação da natureza humana]; a resistibilidade da graça [“mas quanto ao modo desta graça, ela não é irresistível”]; e a incerteza da perseverança dos crentes. Os calvinistas responderam com a contra-remonstrance [desde então o nome contra-remonstrantes] com sete artigos reafirmando o ensinamento das confissões reformadas com respeito à doutrina da graça. A conferência teve lugar em Hague em 1611, mas não chegou a nenhuma acordo.
Os anos seguintes testemunharam a exacerbação da controvérsia, que agora se espalhava velozmente pelo país e era marcada pela demanda crescente, da parte dos calvinistas, da convocação de um sínodo geral para pôr fim à disputa. Embora a Constituição da Igreja determinasse um Sínodo, no mínimo a cada três anos, nenhum havia sido permitido desde 1586.
John Van Olden Barneveldt, Grande Pensionário da Holanda e o grande homem do momento, apoiava os arminianos e era de posicionamento erastiano quanto à relação entre Igreja e o Estado. Em seu ponto de vista e dos remonstrantes, que derivavam suas forças de autoridades políticas, o magistrado civil exercia autoridade em assuntos eclesiásticos.
O príncipe Mauricio permaneceu neutro até 1616, quando começou abertamente a tomar o partido dos calvinistas e, nos idos do verão de 1617, estava participando publicamente do culto com a congregação reformada da capital. No mesmo ano, executou um bem sucedido golpe de estado contra Barneveldt e determinou, finalmente, a convocação de um sínodo da igreja holandesa.
Foi uma extraordinária assembléia. Um antigo escritor disse dela o seguinte: “os membros deste sínodo formavam uma constelação dos melhores e mais eruditos teólogos que já se congregaram num concílio desde a dispersão dos apóstolos; salvo se excetuarmos a convocação imperial de Nicéia no quarto século” [Biographia Evangélica II, p. 456].
O concílio incluía 56 ministros e presbíteros regentes das igrejas holandesas, 5 professores de teologia e 26 teólogos estrangeiros, além de 18 comissários políticos [não-membros do sínodo] que iriam supervisionar o processo e dar informações ao Estado Geral. Para se avaliar o peso da assembléia, basta citarem-se alguns nomes. Gomarus estava lá, sucessivamente professor em Leiden, Saumur e agora em Groningen; Lubbertus, de Franeker; Bogerman, o grande ministro de Leeuwaarden que estudou em diversas universidades continentais e então em Oxford e Cambridge [sob Reynolds e Perkins]; Diodati, o italiano que ensinava em Genebra; o jovem Voetius, que não havia ainda iniciado a estupenda carreira acadêmica que o faria, talvez, o mais influente teólogo da Europa; e Scultetus, Polyander, Lydius, Alting, Hommius, Triglandius, Meyer. Podia-se prosseguir referindo-se mais e mais nomes. Interessante é que o grande puritano William Ames, que por causa de seus princípios fora constrangido a fugir da Inglaterra, foi designado por Bogerman, presidente do sínodo, como seu secretário particular, para grande descontentamento dos delegados ingleses. Ames exerceria considerável influência nos bastidores.

2.4 – O início do Sínodo:
O Sínodo começou em 13 de novembro, com culto solene em holandês na Grande Igreja e em francês naquela que fora antes a igreja dos agostinianos. Após o que, ocorreram as sessões, 154 ao todo, O principal assunto em pauta era, é claro, a controvérsia arminiana, e treze dos remonstrantes foram convocados diante do Sínodo para prestarem contas de suas opiniões. Após alguma demora chegaram finalmente em 6 de dezembro, e até 14 de janeiro o Sínodo engajou-se na vã tentativa de extrair deles uma declaração clara de seus ensinamentos.
Os arminianos – Episcopus à frente deles como presidente de uma espécie de contra-sínodo – utilizaram de toda engenhosidade para evitarem qualquer declaração deste tipo, exigiram que fosse seguida sua própria pauta de assuntos em lugar da do Sínodo, praticaram evasivas, táticas de retardamento e obstruções, caluniaram o Estado Geral implicando até mesmo o próprio príncipe Mauricio, e rejeitaram a autoridade do Sínodo em julgá-los; isto a despeito do fato de ser legalmente um Sínodo da Igreja em que ocupavam cargos, à qual confessavam pertencer, e a cuja disciplina estavam obrigados a se submeter em virtude de suas ordenanças e votos!
Após um mês de esforços infrutíferos para se prosseguir com o assunto em pauta, tempo durante o qual Bogerman, o presidente, se conduziu com tal paciência e calma contida, que alguns dos seus colegas a achavam excessiva, em face à tamanha obstinação; não houve alternativa senão despedir Episcopus e seus companheiros. Os historiadores acusam Bogerman por sua conduta no dia fatídico de 14 de janeiro, quando por um momento pareceu ter perdido o auto-controle, mas sua exasperação é compreensível. Referindo-se às distorções deliberadas, e até mesmo falsidades com que os arminianos trataram o Sínodo, ele vociferou: “Vocês estão sendo mandados embora. Vão! Começaram com mentiras e terminaram com mentiras”. E uma vez mais gritou: “Ide! Ide!”. Após este fato o trabalho prosseguiu, fazendo uso, agora, dos escritos e não dos próprios remonstrantes, e o Sínodo formulou em cinco capítulos e noventa e três artigos, os famosos Cânones de Dort, que foram assinados por todos os delegados em 23 de abril e promulgados solenemente na Grande Igreja em 6 de maio de 1619, diante de numerosa congregação. Três dias mais tarde, após seis meses de trabalho exaustivo, os teólogos estrangeiros partiram e os teólogos holandeses permaneceram para 22 sessões adicionais devotadas, em sua maioria, à preparação de uma nova liturgia e ordem eclesiásticas.


II – A Doutrina da Igreja Confirmada e Estabelecida nos Cânones de Dort:

A doutrina da Igreja ficou estabelecida sendo conhecida como os Cinco pontos do calvinismo.
I – Total Depravação do Homem:

1) O que não singnifica?

a) Não significa que o homem não possa fazer alguma coisa boa – um homem mesmo em estado de queda continua tendo a imagem de Deus nele, e assim, pode produzir uma boa arte, uma boa música. Isto está ligado a esfera da graça comum que atua no homem.
b) Não significa que o homem é tão mau quanto poderia ser. – a doutrina ensina que o homem mesmo estando em pecado ele não alcança a sua medida profunda de maldade por causa da graça comum de Deus que o impede de ser tão mau quanto ele poderia ser.
2) O que Significa?

a) Significa que o homem por natureza nasce morto em delitos e pecados:

“Ef 2:1-3 Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; 3 entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.”

b) Significa que o pecado corrompeu toda a capacidade humana de forma que ninguém pode obter qualquer mérito sem a graça ( Romanos 5.12; 8.7-8)
c) Significa que a vontade e as afeições do homem estão corrompidas:
“Jeremias 13:23 3 Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Então, poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal.
Jeremias 17:9-10 9 Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? 10 Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações.”
d) Significa que o intelecto do homem está totalmente corrompido:

“Ecclesiastes 9:3 3 Este é o mal que há em tudo quanto se faz debaixo do sol: a todos sucede o mesmo; também o coração dos homens está cheio de maldade, nele há desvarios enquanto vivem; depois, rumo aos mortos.
Mark 7:21-23 21 Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, 22 a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. 23 Ora, todos estes males vêm de dentro e contaminam o homem.
Ephesians 4:17-19 Isto, portanto, digo e no Senhor testifico que não mais andeis como também andam os gentios, na vaidade dos seus próprios pensamentos, 18 obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração, 19 os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para, com avidez, cometerem toda sorte de impureza.”

II – Uma Eleição Incondicional:

A doutrina significa : que “A escolha de Deus em salvar alguns é baseada somente na misericórdia e amor eternos ”
Não existe nada no homem que mova Deus a fazer a sua escolha do homem para a vida isto é claro, Deus não prevê a fé para puder eleger. Isso é bastante claro em Atos 13.48: “Acts 13:48 os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”

Deus não espera o homem abrir o coração para ele, mas ele abre o coração do pecador:
“Acts 16:14 14 Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.”

O sucesso da evangelização não está no suposto livre-arbítrio do homem, mas na eleição de Deus:
“Acts 18:10-11 10 porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade. 11 E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus.”

III – Limitada Expiação:

É o ensino de que Cristo unicamente morreu pelos eleitos de Deus de forma suficiente e eficaz. Segundo Agostinho, a graça de Deus é "suficiente para todos, eficiente para os eleitos". Cristo foi sacrificado para redimir Seu povo, não para tentar redimi-lo. Ele abriu a porta da salvação para todos, porém, só os eleitos querem entrar, e efetivamente entram. (Jo 17:6,9,10; At 20:28; Ef 5:15; Tt 3:5)

IV – Irresistível Graça:

É a compreensão de que nenhum eleito rejeitará o chamado de Cristo que é de forma efi az. Embora os homens possam resistir à graça de Deus, ela é, todavia, infalível: acaba convencendo o pecador de seu estado depravado, convertendo-o, dando-lhe nova vida, e santificando-o. O Espírito Santo realiza isto sem coação. É como um rapaz apaixonado que ganha o amor de sua eleita e ela acaba casando-se com ele, livremente. Deus age e o crente reage, livremente. Quem se perde tem consciência de que está livremente rejeitando a salvação. Alguns escarnecem de Deus, outros se enfurecem, outros adiam a decisão, outros demonstram total indiferença para as coisas sagradas. Todos, porém, agem livremente. (Jr 3:3; 5:24; 24:7; Ez 11:19; 20; 36:26-27; 1Co 4:7; 2Co 5:17; Ef 1:19-20; Cl 2:13; Hb 12:2)

V – Perseverança dos Santos:
Alguns preferem dizer "perseverança do Salvador". Nada há no homem que o habilite a perseverar na obediência e fidelidade ao Senhor. O Espírito é quem persevera pacientemente, exercendo misericórdia e disciplina, na condução do crente. Quando ímpio, estava morto em pecado, e ressuscitou: Cristo lhe aplicou Seu sangue remidor, e a graça salvífica de Deus infundiu-lhe fé em para crer em Cristo e obedecer a Deus. Se todo o processo de salvação é obra de Deus, o homem não pode perdê-la! Segundo a Bíblia, é impossível que o crente regenerado venha a perder sua salvação. Poderá até pecar e morrer fisicamente (1Co 5:1-5). Os apóstatas nunca nasceram de novo, jamais se converteram. (Is 54:10; Jo 6:51; Rm 5:8-10; 8:28-32, 34-39; 11:29; Fp 1:6; 2Ts 3:3; Hb 7:25)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.