domingo, 6 de janeiro de 2013

O SER DE DEUS E SEUS ATRIBUTOS - UMA PERSPECTIVA REFORMADA


O Ser de Deus e Seus Atributos.
Prof. Rev. João Ricardo Ferreira de França.
            A Teologia Sistemática busca apresentar também o ser de Deus e os seus Atributos. Lidar com este tema é fundamental para a vida da Igreja, pois, existe um total desconhecimento de quem seja o Deus que se revela na Igreja de Cristo.
            5.1 – O Ser de Deus:
            O Catecismo Maior de Westminster (1643-1648) na sua pergunta: Que é Deus? A resposta é a seguinte:
Deus é um espírito, em Si e por Si mesmo infinito em Seu ser, glória, bem-aventurança e perfeição; Todo-Suficiente, eterno, imutável, incompreensível, onipresente, Todo Poderoso, onisciente; sapientíssimo, justíssimo, misericordioso e cheio de graça, longânimo e pleno de verdade.[1]( Trindade. Capítulo 2, seção I)
            Esta definição teológica do Catecismo é uma verdade impar, pois, reflete o que as Igrejas herdeiras da Reforma sempre tem acreditado sobre o ser de Deus. A Confissão de Fé de Westminster nos apresenta a mesma tônica:
Há um só Deus vivo e verdadeiro, o qual é infinito em seu ser e perfeições.  Ele é um espírito puríssimo, invisível, sem corpo, membros ou paixões; é imutável, imenso, eterno, incompreensível, - onipotente, onisciente, santíssimo, completamente livre e absoluto, fazendo tudo para a sua própria glória e segundo o conselho da sua própria vontade, que é reta e imutável. É cheio de amor, é gracioso, misericordioso, longânimo, muito bondoso e verdadeiro remunerador dos que o buscam e, contudo, justíssimo e terrível em seus juizos, pois odeia todo o pecado; de modo algum terá por inocente o culpado.[2]
            5.1.1 – Deus é Suficiente em si mesmo.
            A Confissão de Fé nos mostra com base na Bíblia que Deus é em si mesmo suficiente; o que isto quer dizer? Isto significa que Deus não é dependente da nada ao seu redor para continuar existindo.
            Deus tem em si mesmo toda:
a) Vida: ele é si mesmo e de si mesmo toda a vida (João 5.26)
b) Glória: Deus tem toda a glória em si mesmo. Ele é o Deus exaltado em si mesmo (Atos 7.2)
c) bondade: A Teologia Reformada diz que Deus é o supremo bem que homem deve ter. Isso quer dizer que para nós Deus é infinitamente bom (Salmos 119.68).
            Isto implica dizer que Deus não precisa de nada ou de ninguém para continuar existindo como Deus. Sua glória não é derivada de alguma coisa que criou. A confissão de Fé diz exatamente isso “Ele é todo suficiente em si e para si, pois não precisa das criaturas que trouxe à existência, não deriva delas glória alguma, mas somente manifesta a sua glória nelas, por elas, para elas e sobre elas”. É nosso propósito viver para a Glória de Deus sem acrescentar nada a esta Glória.
            5.1.2 – Deus é o Fundamento de toda a Criação.
            Os teólogos de Westminster, juntamente com a Bíblia, declaram que Deus é a razão de existência de tudo o que foi criado. Os teólogos puritanos afirmam isso de forma bem arrojada e segura: “Ele é a única origem de todo o ser; dele, por ele e para ele são todas as coisas e sobre elas tem ele soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser.”
            A confissão diz que Deus é “a única origem de todo o ser”, então, entendemos que:
a. Deus é a fonte da existência: Isto significa que para nós o mundo não é o resultado de uma explosão (Big-Bang) e nem é o processo de uma geração espontânea (evolucionismo/darwianismo), mas que esta criação tem um único autor que o nosso Deus Trino (Atos 17.24-25)
b. Deus é a única origem indicando que ele é o Soberano sobre a criação: Todas as coisas que existem são dele, por ele e para ele, esta é a linguagem bíblica para descrever a soberania absoluta de Deus sobre todas as coisas que ele criou – ele tem o “soberano domínio para fazer com elas, para elas e sobre elas tudo quanto quiser” o conceito de soberania é ressaltado aqui porque Deus deve ser visto como o governante deste mundo (Rom. 11:36; Apoc. 4:11).
5.2 – Os Atributos de Deus:
            Deus se revela por meio de seus atributos, alguns preferem o termo qualidades ou perfeições de Deus, todavia, continuaremos usando o termo usual da Teologia Sistemática – os Atributos de Deus. Os atributos de Deus são classificados em duas categorias: Atributos Incomunicáveis e Atributos Comunicáveis.
5.2.1 – Os Atributos Incomunicáveis:
            Definição: Podemos dizer que são os atributos que Deus não comunica ao homem, pois, estes atributos encontram-se somente em Deus.
            A unidade de Deus: Antes de considerarmos apropriadamente este assunto, se faz necessário considerar a unidade Deus. Nós presbiterianos acreditamos que há um só Deus, e este é “Vivo e Verdadeiro”.
            O texto de Deuteronômio 6.4 nos mostra essa realidade. O termo “único” ocorre no texto para apontar uma “Unidade” não Absoluta, mas para uma “Unidade composta”, ou seja, Deus é um, mas nele há certa pluralidade que o judeu não podia explicar. Este é o indicio da doutrina da Trindade que consideraremos depois.
            a) Deus é Infinito em Perfeição:
             Deus tem sido caracterizado na Bíblia como um ser infinito. Em profunda perfeição a infinitude de Deus descreve que ele não tem fim, sempre continuará existindo, isto descreve que ele é isento de qualquer limitação, descreve que ele está ausente de qualquer erro em seu ser, e assim, descreve sua perfeição. Veja-se Jó 11.7-10; Salmos 145.3; Mt.5.48.
            b) Deus é Imutável:
            Outro atributo de Deus que é incomunicável ao homem é chamado de imutabilidade, a imutabilidade de Deus significa que Ele é sempre o mesmo em Seu ser, Ele não muda em sua natureza ontológica. O texto de Tiago. 1.17 nos informa isso. Três coisas podem ser analisadas aqui:
         (1) Tudo o que é bom vem de Deus.
            (2) Que de Deus as trevas não vem.
            (3) Que Deus não pode mudar.



            c) Deus é Eterno:
            A sua eternidade não pode ser enumerada, somente ele é o ETERNO POR MAGNIFICIENCIA. A eternidade de nossa alma está ligada à criação de Deus. O SENHOR criou o homem para ser eterno, mas a eternidade de Deus é dEle somente.
            d) Onipotência:
            Creio “em Deus Pai, Todo-Poderoso” esta é a confissão da igreja. O atributo de onipotência cabe somente em Deus que criou o mundo e tudo o que nele existe; ter todo poder significa que Deus pode fazer tudo o que lhe apraz para glorificar o seu próprio nome. Jó 37.23.
            e) Onisciente:
            Deus conhece todas as coisas em sua totalidade, esse conhecimento não é adquirido, mas é inato em seu ser, Deus não aprende as coisas como acontece conosco, mas ele sabe tudo – alguns chamam isso de conhecimento exaustivo e simultâneo de Deus. Dentro deste atributo podemos incluir a presciência que é fruto deste conhecimento exaustivo de Deus. Romanos 11.34 e 1 Pedro 1.1-2.
f) Onipresença:
            O Criador está em todos os lugares e não está limitado a estes lugares. É isto que quer dizer “Onipresença”. Dentro deste atributo encontramos apoio para duas verdades teológicas que são: 1) que Deus é Imanente – está na Criação, mas não é a Criação; 2) que Deus é transcendente – que está ausente na Criação, mas não abandona a Criação e não se funde ou confunde-se com ela. (Salmos 139.7-10).




[1] VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior de Westminster Comentado. Tradutor: Marcos Vasconcelos. São Paulo: Os Puritanos, 2007, p. 49.
[2] WESTMINSTER, Confissão de Fé. De Deus e da Santíssima Trindade. Capítulo 2, seção I in:  IN: Símbolos de Fé. São Paulo: Cultura Cristã, 2005, p. 27.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

DA JUSTIFICAÇÃO - PRIMEIRA PARTE

Estudos na Confissão de Fé de Westminster.
Professor Rev. João Ricardo Ferreira de França.
DA JUSTIFICAÇÃO. – CAPÍTULO 11.
Introdução:  Em nossos dias a doutrina da tornou-se algo irrelevante. Parece que ouvimos os mesmos lemas do passado. “Nenhum credo, somente Cristo”. Alguns crentes chegam a dizer: “Não precisamos viver, por nenhum dogma! Abaixo os dogmas, e chega das doutrinas! Uma rejeição total das Doutrinas, dos dogmas da Igreja.  Esta é uma das explicações porque a igreja cristã é tão superficial em levar o evangelho aos perdidos. A igreja tem abandonado  a própria fé.
         Isso nos faz lembrar as palavras de Gordon H. Clarck ao dizer que “alguns [dos jovens] dormem durante o sermão. Entre eles há os que repudiam a teologia [...] outro seguimento diz: ‘Nenhum credo, mas Cristo’”.[1] Precisamos entender que o Cristianismo é marcado por doutrinas.
         Hoje nós iniciaremos os nossos estudos nesta grandiosa doutrina que é a justificação pela fé somente. Doutrina que estando presente na vida da Igreja a torna de Pé, mas que quando ausente a igreja cai. Vejamos o que a Confissão de Fé diz sobre a Justificação:
I. Os que Deus chama eficazmente, também livremente justifica. Esta justificação não consiste em Deus infundir neles a justiça, mas em perdoar os seus pecados e em considerar e aceitar as suas pessoas como justas. Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita, mas somente em consideração da obra de Cristo; não lhes imputando como justiça a própria fé, o ato de crer ou qualquer outro ato de obediência evangélica, mas imputando-lhes a obediência e a satisfação de Cristo, quando eles o recebem e se firmam nele pela fé, que não têm de si mesmos, mas que é dom de Deus.[2]
I – A JUSTIFICAÇÃO COMO ATO DA LIVRE GRAÇA DE DEUS.
         O Catecismo Maior de Westminster define-nos a doutrina da Justificação como “um ato da livre graça de Deus” – a observar esta definição que vemos em nossa Confissão de Fé percebemos que esta doutrina fala de algo que ocorreu fora de nós. isso é ressaltado na Palavra de Deus em Romanos 3.22-25. Este ato da graça de Deus envolve todas as pessoas da Santíssima Trindade. Vejamos:
1.1 – É idealizada pelo Pai: Como um ato da livre graça de Deus o pai planeja como a justificação será realizada.  Ela se mostra ser um ato livre desta graça divina pelo fato de Deus o Pai ter aceito “a satisfação  de um fiador”[3] sendo Cristo “ o único Filho de Deus, Pai” nos foi dado gratuitamente como nosso redentor conforme vemos em João 3.16 – o Filho é doado pelo Pai aos pecadores. Exatamente isso aprendemos em Efésios 2.6-9.
1.2 É Possibilitada pela obra de Cristo: a Justificação somente é possível por causa da obra de Cristo no calvário; o sacrifício de Cristo naquela cruz torna esta verdade uma possibilidade singular (Romanos 3.24; 4.24,25)
1.3  - A justificação é efetivada na vida cristã pela ação do Espírito Santo: A palavra de Deus nos ensina que apenas o Espírito Santo pode de forma clara e evidente aplicar a obra da redenção no coração do eleito de Deus. (Romanos 5.5; Tt. 3.4-7).


II – A JUSTIFICAÇÃO É DESTINADA AQUELES QUE FORAM CHAMADOS EFICAZMENTE.
         A Confissão de Fé declara que somente o que são chamados somente estes Deus “livremente os justifica”. É exatamente isso que aprendemos na Palavra de Deus em Romanos 8.30. Deus ele chama e justiça os pecadores eleitos por Ele. Ora, como é lógico. Vimos na vocação eficaz que somente os eleitos podem ser regenerados isso implica que estes eleitos hão de ser declarados não culpados diante de Deus ( o que chamamos de justificação ).
         Somente aqueles que foram alvos do chamado interno, produzido pelo Espírito Santo, podem ser declarados justos. Isso porque somente os regenerados estão em paz com Deus e nenhuma condenação pesa contra eles (Romanos 5.1; 8.1)
III – OS DOIS ASPECTOS DA JUSTIFICAÇÃO.
         Ao estudarmos este assunto precisamos esclarecer o duplo aspecto desta doutrina. O aspecto negativo e o positivo.
3.1 – O Aspecto Negativo da Justificação: Necessitamos compreender o que a justificação não é. A Confissão de Fé nos diz que a esta doutrina não consiste “em Deus infundir neles a justiça”. Isso significa que na justificação que Deus não nos torna perfeitos ou sem pecados, ou seja, não é uma justificação infusa ( 1Co.5.19-21).
3.2 – O Aspecto Positivo da Justificação: Este ponto implica no fato do que realmente consiste a justificação:
a) “em perdoar os pecados dos eleitos”: é na declaração divina de não culpado que o homem vive o pleno perdão dos pecados. (Efésios 1.7)
b) “em aceitá-los como justas diante dele”: todos os eleitos são pecadores e culpados, mas diante do ato da justificação o homem eleito pode ser aceito diante de Deus como justo, na verdade, Deus os aceitas como se nunca tivessem feito crime algum contra a sua santidade. Deus passa a ser a justiça do eleito (Jeremias 23.6; 1 Co.10.30).
IV– A JUSTIFICAÇÃO NÃO DEPENDE DO ESFORÇO HUMANO.
         Os teólogos de Westminster declaram que “Deus não os justifica em razão de qualquer coisa neles operada ou por eles feita” – em nosso tempo as pessoas sustentam o fato de que a justificação dependente do esforço individual para serem aceitos diante de Deus. Todavia, a Palavra de Deus nos ensina que este ato de Deus não é fruto das boas obras que praticamos (Tt.3.5-7).
V – A JUSTIFICAÇÃO É A IMPUTAÇÃO DA SATISFAÇÃO DA OBRA DE CRISTO NA VIDA DO ELEITO.
         Justificação implica na imputação da obra de Cristo na vida dos eleitos. Os pecadores somente são aceitos diante de Deus tendo em consideração a obra vicária de Cristo.
         E somente a imputação da justiça de Cristo na vida dos eleitos; a imputação significar “lançar na conta do outro” ou seja, a nossa conta estava lotada de dívida, não tínhamos como pagar, como sanar  a nossa divida com Deus; Mas Cristo mediante a morte de Crist no calvário, aquela justiça conquistada por Cristo por meio de sua obediência à Lei, é a nós conferida.
         Isso tudo é fruto da graça livre de Deus. E por causa disso Cristo nos é apresentado como a nossa vida (Fp.1.20-21)





[1] CLARCK, Gordon H. Em Defesa da Teologia. Tradução: Marcos Vasconcelos. Brasília: Editora Monergismo, 2010,  p. 18.
[2] Ref. Rom. 8:30 e 3:24, 27-28; II Cor. 5:19, 21; Tito 3:5-7; Ef. 1:7; Jer. 23:6; João 1:12 e 6:44-45; At. 10:43-44; Fil. 1:20; Ef. 2:8.
[3] Catecismo Maior de Westminster  resposta à pergunta 71.

sábado, 16 de abril de 2011

AMIGOS SINCEROS

ontem, empolgado li uma poesia que até então era minha, mas descobri que fora um plágio que eu e um amigo meu havia escrito, sem saber de nada, li o texto para uma amiga chamada Zilma que havia dito ter já lido o texto, o curioso disso tudo é o fato de que, ela não poderia ter lido, então, resolutamente pesquisei na net - descobri que Paulo Coelho tinha escrito o mesmo texto na mesma metrica, e Oscar Wilde também, que decepção para mim! Liguei pra meu amigo e lhe indaguei porque ele sempre alterava as frases que eu lhe falava para a poesia, então, ele revelou para mim tudo - havia plagiado o texto - e não havia me dito nada, que tristeza, que decepção, por isso, peço desculpas a todos os meus leitores, amigos, e irmãos que leram aquele texto aqui neste espaço, o removi porque não era da minha lavra, nem sabia que alguém mais competente do que eu havia escrito aquele texto, mil perdões aos meus leitores! Um abraço,
o amigo sincero é aquele que na sinceramente sabe quando errou - esta frase é minha! Graças a Deus.
João Ricardo Ferreira de França

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

TEOLOGIA CONTEMPORÃNEA - KARL BARTH.

KARL BARTH
SUA IMPORTÂNCIA HISTÓRICA E TEOLÓGICA NO RESGATE DA PALAVRA DE DEUS.
João Ricardo Ferreira de França*


INTRODUÇÃO.

Durante a penetração do Racionalismo dentro da Igreja de Cristo que gerou o dilema do Liberalismo Teológico temos novos tempos e novas mentes; neste tempo a academia sofria com as idéias modernas, a negação dos milagres, da relação de Deus com o universo criado – o Deísmo – como algo controlador e norteador da perspectiva humana.
O existencialismo estava aflorado na sociedade e havia ganhado uma popularidade significativa, mas o homem continuava na incredulidade, pois, havia descido a linha do desespero e não sabia como retornar de lá.
Surge no cenário Bultmann que tenta responder as indagações de sua época propondo o método de interpretação que ficou conhecido como “Desmitologização”, neste método ele propunha interpretar a Bíblia mostrando os seus mitos, mas dizendo que os mesmo eram necessários, pois, comunicavam uma realidade maior – daí os milagres que a Bíblia narra não ocorreram verdadeiramente, mas são mitos que precisam ser desmitologizados para se chegar à realidade por trás deles.
A problemática é que todos os milagres, inclusive a ressurreição de Cristo deixou de ter significado na vida da Igreja no advento do Liberalismo Teológico; então, gerou-se mais uma crise desesperadora.
Neste ponto surge Karl Barth que tenciona mostrar que o conceito querigmático apresentado por Bultmann só encontra sentido se houver uma revelação de Deus – na natureza, na Palavra Escrita e na pregação da Igreja; isto tudo só era possível se a Palavra de Deus encarnada se manifestasse como tal à Igreja. Naquele momento estava nascendo a Teologia Dialética ou a chamada Neo-Ortodoxia tendo como o seu maior expoente Karl Barth.
Neste trabalho visamos oferecer uma visão geral da vida de Barth de suas duas principais obras – Comentário da Carta de Paulo aos Romanos e Dogmática Eclesiástica – a primeira obra foi uma resposta final e definitiva contra o Liberalismo Teológico; e a segunda foi um revitalizar da Igreja de Cristo. Também tencionamos discutir resumidamente a teologia desenvolvida por Barth.
Ele surge em um cenário onde há uma profunda confusão; não se sabe ao certo o que se deve fazer com Deus, com Bíblia, com Jesus Cristo e a Igreja em um mundo que já desacreditou de tudo isso?
Mas, não é somente isso Barth surge dentro de um contexto totalmente novo na história do mundo; em um período de duas Guerras Mundiais. Ele notoriamente como um homem da Palavra visa reconfortar a sua pequena Igreja na Alemanha – e o seu ministério Pastoral o livra do Liberalismo Teológico – e precisa posicionar-se contra o tratamento que o partido Nazista está manifestando aos que não se alinham a ele.
Barth se torna um teólogo que resiste aos interesses políticos de Hitler e se opõe tenazmente à Igreja da Alemanha que se coloca sob o julgo do Nazismo para conseguir estabilidade como denominação nacional. Então, surge um teólogo em meio a necessidade de se responder à sociedade de sua época.
Ele passa a escrever teologia para confortar e despertar a Igreja de Cristo, todavia, o que ele faz é muito mais do que isso, ele consegue deter o avanço do Liberalismo Teológico dentro das Igrejas, consegue organizar a Igreja Confessante que se coloca contrária aos interesses do Nazismo.
Desenvolve uma perspectiva Bíblica para as noções da dogmática, com muitos equívocos presentes em suas obras, todavia, é precisamente no cristocentrismo de sua teologia que consegue comunicar eficazmente o Evangelho nos tempos em que a Palavra de Deus parecia não ter mais significado na vida das pessoas.
Este trabalho visa apresentar todas estas questões de forma resumida para que possamos refletir sobre a importância de Karl Barth para a vida da Igreja e para a Teologia Contemporânea.


I – SUA VIDA.

Na nossa jornada introdutória à teologia de Karl Barth precisamos conhecer um pouco da história de sua vida. Temos ciência de que o contexto no qual Barth está inserido é o do liberalismo teológico (FERREIRA, 2008, p,417).
Karl Barth nasceu em Basel, Suíça, no dia 10 de maio de 1886. Era filho de Fritz Barth, um ministro reformado e professor de Novo Testamento e História da Igreja na Universidade de Bern, na Suíça, e Anna Sartorius. Ele recebeu sua educação inicial como membro da Igreja Reformada Suíça por seu pastor, Robert Aeschbacher.

Depois foi estudar teologia nas universidades de Bern, Berlin, Tübingen, e Marburg, tendo recebido seu bacharelado em 1919. Sua monografia foi sobre “O Descensus Christi ad inferos nos três primeiros séculos”. Suas principais influências acadêmicas foram Adolf von Harnack (1851-1930), Hermann Gunkel (1862-1932), Adolf Schlatter (1862-1938) e Willhem Herrmann (1846-1922). De 1908 a 1909 foi secretário de redação da revista Christliche Welt, em Marburg. Em 1913 ele se casou com Nelly Hoffman, uma talentosa violonista, com a qual teve uma filha e quatro filhos. (FERREIRA, 2008, p,417).

Somos informados que “por algum tempo ele foi um liberal declarado” e que no ano de

1911, ele se tornou pastor de uma pequena igreja reformada no noroeste da Suíça, na região politicamente neutra, mas próxima da conturbada Alemanha, onde era o seu lar espiritual. Desfrutando essa posição ele assistiu a Europa ocidental passar pela agonia da Primeira Guerra Mundial. (LATOURETT, 2006, p.1880).

Foi exatamente o ministério pastoral que o fez pensar sobre a posição que abraçara, ou seja, o fez refletir sobre a posição liberal. Um historiador nos diz que “foi durante esses anos, de pregação dominical à sua congregação ao som das grandes aramas, que ele foi forçado a pensar em uma renovação da sua fé” (LATOURETT, 2006, p.1880).
A gota d’água que o fez abandonar o liberalismo teológico foi o fato de muitos professores, a quem Barth admirava muito, abraçaram o discurso do Nazismo, ele mesmo expressou isso nos seguintes termos:

O verdadeiro fim do século dezenove, o fim daquilo que depois veio a ser chamado de la belle époque, coincide de fato, também para a teologia protestante, com o ano fatídico de 1914. Puro acaso? Seja como for, justamente naquele ano que Ernst Troeltsch, reconhecido como o sistematizador e o corifeu de toda a escola moderna, abandonou definitivamente sua cátedra de teólogo para passar à faculdade de filosofia... Pessoalmente, não posso esquecer aquele triste dia do inicio de agosto de 1914 no qual 93 intelectuais alemães afirmaram publicamente sua concordância com a política belicista do imperador Guilherme II e de seus conselheiros; profundamente assombrado, tive de constatar que, entre estes, constavam os nomes de todos os professores de teologia que até então eu respeitara e ouvira com confiança. E, como eles se haviam enganado em seu ethos de forma tão marcante, uma conclusão se me impunha; não podia mais segui-los em sua ética e em sua dogmática, em sua exegese da Bíblia e em seu modo de ensinar a história; resumindo, a partir daquele momento, a teologia do século vinte, ao menos para mim, não podia mais ter nenhum futuro. (Apud, GIBELLINI, São Paulo: Loyola, 1998, p. 18.)

Aqui nós temos um novo Barth que rompe definitivamente com o liberalismo teológico que era vivenciado na academia.


II – SUAS OBRAS.

2.1 – comentário à Carta aos Romanos.

Barth tornou-se conhecido quando produziu sua significativa obra que é o comentário à Carta de Romanos. Muitos historiadores indicam que esta obra foi o golpe de misericórdia na Teologia Contemporânea – ou no conhecido Liberalismo Teológico – pois neste
livro Barth formulou vigoroso protesto não apenas contra a teologia contemporânea, mas contra toda a tradição que se vinha formando desde Schleiermacher e que fundamentava o cristianismo na experiência humana e considerava a fé um elemento na vida espiritual do homem. A Carta aos Romanos foi também um protesto contra aquelas escolas que tinham transformado a teologia em ciência da religião e tinham apresentado a análise histórico-crítica da Bíblia como a única interpretação possível. Barth publicou a segunda edição da obra poucos anos depois, e esta edição, completamente revisada, pode ser considerada o início da nova escola que posteriormente se tornou conhecida como a escola dialética. Como fez ver claramente na Carta aos Romanos, Barth pretendia substituir a interpretação meramente filológica e histórica com uma exposição “dialética” mais profunda do próprio material bíblico. Encontrou exemplos principalmente nos clássicos da tradição cristã, como, por exemplo, em Lutero e Calvino. A interpretação da Bíblia de Barth, entretanto, não é mera cópia da obra dos reformadores; a dialética que encontrou na Bíblia não é, como acontece com Lutero, o contraste entre a ira e a graça de Deus, entre o pecado do homem e a justiça providenciada por Deus; é antes o contraste fundamental entre eternidade e tempo, entre Deus como Deus e o homem como homem. A aplicação deste conceito fundamental, via de regra, resultou na rejeição do humano, fazendo assim lugar para a revelação divina, para o “totalmente outro”, que é revelado pela palavra de Deus aos que em espírito de humildade mostram-se receptivos às ações divinas e à mensagem da igreja. (HÄGGLUND, 1995, pp. 343-345)

A publicação desta obra deu-se em 1919 sendo uma grande arma contra os liberais de sua época, neste comentário Deus é apresentado como sendo o absolutamente ou o totalmente Outro, não no sentido fenomenológico, mas no sentido teológico do termo. Barth traz esperança a uma congregação que precisava ser pastoreada, e assim, no meio da esperança Barth traz à lume da chamada Teologia da Crise porque a morte e a desgraça tem cercado a história do homem, sendo isso verdadeiro, o homem precisa encontrar a esperança que só encontra no Cristo anunciado pela Igreja de Cristo. Deve-se lembra que

O Deus da Carta aos Romanos é o Deus absconditus, o totalmente Outro (das ganz Andere), conceito que Barth extrai de Rodolf Otto, inserindo-o, porém, não em um contexto fenomenológico, e sim teológico. Nenhum caminho vai do homem a Deus: nem a via da experiência religiosa (Schleiermacher), nem a da história (Troeltsch), e tampouco uma via metafísica; o único caminho praticável vai de Deus ao homem e se chama Jesus Cristo. E, se a justificação é a relação positiva entre o homem e Deus, então esta é justificatio forensis, justificação declarada por Deus. Entre o homem e Deus passa uma linha de morte (Todeslinie), que permanece absolutamente intransponível por parte do homem, ou dentro da história do homem, e sim a crise (Krisis) incessante de toda história. A história do homem, que é história de pecado e de morte, está sob o juízo de Deus, sob o não, mas trata-se de um não dialético, superado no sim que Deus pronuncia em Jesus Cristo. A ressurreição de Cristo é irrupção do mundo novo no velho mundo da carne, mas só tangencialmente. “Na ressurreição, o mundo novo do Espírito Santo é posto em contato com o velho mundo da carne. Mas ele o toca como a tangente toca o círculo, sem tocá-lo, e, precisamente na medida em que não o toca, toca-o como a sua limitação, como um mundo novo”. O evangelho que Paulo quer anunciar no grande mercado espiritual e religioso de Roma não é uma mensagem religiosa, que informe sobre a divindade e a deificação, e sim a alegre e boa notícia de Deus, cuja acolhida é a fé. Mas a fé nada tem a ver com a lama da experiência religiosa; ela é milagre, salto no vazio, vácuo (Hohlraum) para a graça de Deus. A justificação só acontece por meio da fé, mas, aqui, fé – e agora chegamos a um dos pontos mais controversos da interpretação bartiana – significa fidelidade a Deus. A fé do crente é espaço vazio para a fidelidade do Deus da promessa. A Epístola aos Romanos está sob o signo da infinita diferença qualitativa (Kierkegaard) entre Deus e o homem e mostra uma concepção rigorosamente radical de fé e graça. (GIBELLINI, A teologia no século XX, pp. 21-22.)

Esta obra é considerada o texto mais representativo da teologia dialética. Aqui ele enfatizou a deidade de Deus, Deus como “absolutamente outro”, a “distinção qualitativa infinita” entre Deus e o homem. Aqui a teologia é o estudo não de filosofia humana ou experiência religiosa, mas da palavra de Deus. Para Barth, “a Bíblia [veio a ser] não meramente uma coletânea de documentos antigos a serem examinados criticamente, mas, sim, uma testemunha de Deus”. (BROWN, 1989, p. 159.)

2.2 – A Dogmática Eclesiástica.

Somos informados que Barth foi convidado no ano 1922 para ser preletor em uma conferência sobre a Teologia Reformada na Universidade de Göttingen (FERREIRA, 2008, p. 421); ali é ajudou a desenvolver a conhecida Teologia Dialética.
Naquela Universidade ele dedicou-se ao estudo da Teologia Reformada conforme entendida por Calvino; ele era um profundo admirador de Calvino a tal ponto de escrever a um amigo a seguinte observação:

Calvino é uma catarata, uma floresta primitiva, um poder demoníaco, algo vindo diretamente do Himalaia, absolutamente chinês, estranho, mitológico; perco completamente o meio, as ventosas, mesmo para assimilar esse fenômeno, sem falar para apresentá-lo satisfatoriamente. O que recebo é apenas um pequeno e tênue jorro e o que posso dar em retorno, então, é apenas uma porção ainda menor desse pequeno jorro. Eu poderia feliz e proveitosamente assentar-me e passar o resto de minha vida somente com Calvino (Apud, GEORGE, 1994, p. 163-164.).

Isto notoriamente o conduziu a escrever uma obra chamada de Dogmática Cristã, todavia, ele foi severamente criticado por basear sua teologia na corrente existencialista, fugindo em certa medida da teologia de Calvino; é claro que ele fazia a leitura teológica com os óculos do Existencialismo, mas não na mesma medida que Bultmann; isto fez com que ele voltasse o caminho novamente e refisse tudo o que havia escrito na Dogmática Cristã – isso em 1927 – então, produziu uma obra mais significativa – a chamada Dogmática Eclesiástica.
O que fez Barth mudar? Ele queria uma teologia mais cristocêntrica e duas perspectivas o conduziram para esta mudança:

A primeira foi o reconhecimento de que o existencialismo de seu período anterior, com sua ênfase unilateral no momento presente do encontro e decisão divino-humanos, poderia enfraquecer a força central da Bíblia no que Deus havia feito pela humanidade, reconciliando o mundo consigo mesmo. A segunda foi a ascensão de Hitler ao poder, com a perseguição dos judeus e a “teologia natural” dos “cristãos germânicos”, que procuravam justificar o socialismo nacional e as políticas racistas recorrendo a uma doutrina de “ordens naturais da criação”. Barth sentiu que isso traía a compreensão cristã da graça, apelando para outras fontes de revelação além de Jesus Cristo: ele era o judeu em quem Deus havia derrubado as barreiras entre os judeus e todos os outros grupos étnicos (os “gentios”); ele é a cabeça da igreja e do estado; apenas a ele devemos lealdade suprema. (TORRANCE, In: KEELEY, 2000, p.326).

Esta foi a grande obra de Barth, Franklin Ferreira nos diz que “Esta obra chegou a 13 tomos (um deles é o índice geral da obra), que se estenderam por 9.185 paginas! – quem as contou foi seu último assistente, Eberhard Busch.” (FERREIRA, 2008, 423).
Os doze tomos s são esboçados da seguinte forma: No primeiro temos a discurssão apresentada por Barth de que A Palavra de Deus é o Critério para se fazer Dogmática; no segundo somos introduzidos ao conceito da Criação onde Deus e seus atributos tornam-se manifestado; no terceiro temos a Doutrina da Eleição Gratuita de Deus; no quarto ele volta à questão da Criação como resposta ao mundo do modernismo de sua época; no quinto ele discute sobre a Criatura e desenvolve uma Antropologia Teológica sólida.
Já no sexto capítulo Barth introduz o leitor até a relação entre o criador e a Criatura. Na discussão da providência de Deus e a criação dos Anjos são postulados com grande significado para a Teologia.
Os últimos capítulos da obra centralizam-se na Pessoa e na Obra de Cristo. Cristo é contemplado como sendo o mediador para reconciliar os pecadores com Deus; O cristo dentro da obra visto como o servo é significativamente considerado na obra a ideia do Servo Sofredor de Isaías 53. E termina-se a obra apresentando Cristo como a verdadeira Testemunha que anuncia e efetiva a obra de redenção ao mundo.
Ele insistia dizendo que “uma dogmática cristã deve ser cristológica em sua estrutura fundamental como em todas as suas partes, se é verdade que o seu único critério é a Palavra de Deus revelada e atestada pela Sagrada Escritura e pregada pela Igreja e se é verdade que esta Palavra de Deus revelada se identifica com Jesus Cristo.” (BARTH, Church Dogmatics,1956, I/2, §14, p. 114. I/2 §15, p. 975.)
Esta obra tem sido a mais importante de Barth porque tem levado a Igreja pensar sobre a sua identidade como tal; e, assim, deste modo levar os membros a pensarem teologicamente e praticamente sobre o propósito da existência humana frente aos grandes desafios que sobrevém na vida da Igreja.

III – SUA TEOLOGIA.

Um dos aspectos mais cativantes nas obras de Barth e a sua paixão pela Teologia, algo tão ausente em sua época , essa paixão estava vinculada à Palavra revelada de Deus. Ao definir a palavra “Teologia” ele diz:

A palavra ‘Teologia” inclui o conceito do Logos. Teologia é uma logia, lógica, ou linguagem lançada a Deus, a qual é possível realiazer e determinar também. O inescapável o significado de lógos é ‘palavra’ [...] A palavra não é necessariamente uma determinação do lugar único da Teologia, mas é indubitavelmente o primeiro. Teologia em si mesma é uma palavra, uma resposta humana. (BARTH, 1963, p.16,17)

Em meio a situação na qual a Alemanha estava mergulhada nascia a teologia de Karl Barth. Ao perceber que a Igreja estava se aliando ao Nacional Socialismo somos informados que

Por estar comprometido com a realidade social, Barth reage ao nazismo, mas sua reflexão sobre as questões políticas é teológica, pois está preocupado com a fé cristã e com a igreja evangélica na Alemanha. Escreve então um manifesto - A existência teológica hoje [Teologische Existenz heute] – na noite de 24 para 25 de junho, quando Bodelschwingh se demite. O centro da discussão do manifesto de Barth é a questão da Palavra de Deus e sua importância no caráter e na vida do cristão. A teologia de Barth é cristológica e chama a atenção dos cristãos para o papel da igreja enquanto proclamadora da Palavra de Deus no mundo. Este manifesto teológico configurava-se como reação política, contrariando a proposição dos Cristãos Alemães de apoio e incorporação aos princípios do Reich. (FERRIRA, 2008, p. 428).

Esta teologia forjada no calor da batalha política e ideológica o fez dizer algo realmente significativo sobre a realidade da Igreja de Cristo:

A Igreja Cristã não está no Céu, mas na terra e no tempo; ainda que seja um dom de Deus inserido nas realidades humanas e o que se passa dentro da Igreja corresponde a essas realidades [...], pois a Igreja, sem dúvida nenhuma, deve ser um lugar onde ressoa uma palavra que se dirige ao mundo. (BARTH, Esboço de Uma Dogmática, 2006, p.9-10)

O problema real era que esta Igreja na época já não tinha uma palavra para dirigir-se ao mundo; e Barth questionava as duas bases fundamentais nas quais a Igreja estava apoiando o Nazismo. A primeira base questionada por Barth era “a questão da reforma eclesiástica, a da nomeação de um bispo do Reich e a existência do movimento dos Cristãos Alemães”. Para Barth não era possível que se visualizasse num evento da história uma “nova ordem para a igreja”, isso só era possível por meio da revelação de Deus, a Palavra. Com relação a figura do bispo, um Führer dentro da igreja (Reichsbischof), mostra a clara associação do cargo com o Führer nacional socialista e para o modelo de onde foi tirado, o episcopado católico romano.
Um biográfo de Barth nos lembra algo que é muito importante sobre estas duas perspectivas claras na concepção Barthiana:

Duas concepções da Igreja foram postas à prova no curso do período hitlerista. E foi do seio da Igreja Reformada, malgrado seus defeitos e fraquezas, bem como suas tentações para seguir também no sentido da grande corrente que arrastou a Alemanha, que nasceu uma Igreja de oposição. E não apenas um movimento, mas uma verdadeira Igreja. A força profética de alguns, e de Barth em particular, fez compreender às comunidades confessionais que, além das estruturas e das instituições, encontravam-se verdades evangélicas que era proibido calar ou apenas cochichar. Os reformados estavam mais bem preparados para ouvirem esta mensagem que os luteranos, presos aos seus bispos e a uma concepção de Igreja afastada das preocupações sociais. Naturalmente rígida, e ainda mais emperrada e imobilizada pela atitude de Pio XII, a Igreja Católica foi incapaz de ouvi-la e, muito menos, de proferi-la. (CORNU, Karl Barth, teólogo da liberdade, p. 201).


Então, temos uma teologia sendo alicerçada dentro da resistência ao sistema Nazista, mas não apenas isso nós temos o nascimento de uma Igreja que deseja confessar apenas Cristo como o centro da história dos homens.
A Igreja Confessante nasce neste conflito. Esta igreja é apoiada por Dietrich Bonhoeffer, Hermann Hesse, Karl Immer, Heinrich Vogel, Martin Niemöller e Hans Asmussen (membro da Igreja Luterana da Suécia), que em 4 de janeiro de 1934 se reuniu como concílio livre das comunidades luteranas-reformadas em Barmen. Barth apresenta uma declaração sobre a correta compreensão das confissões na atualidade, e tem inicio a “disputa pela Igreja” (Kirchenkampf). Em 16 de maio, em Frankfurt, é realizada uma reunião da Comissão Teológica, preparando um concílio confessante, que ocorre em 31 de maio, onde é aprovada a Declaração Teológica (Declaração de Barmen). Seu primeiro artigo diz:

“Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (João 14.6). “Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, esse é ladrão e salteador. Eu sou a porta; se alguém entrar por mim será salvo” (João 10.1, 9). Jesus Cristo, tal como nos atestam as santas escrituras, é a única Palavra de Deus que devemos escutar, à qual nos devemos confiar e obedecer, na vida e na morte. Rejeitamos a falsa doutrina segundo a qual a Igreja teria, além e ao lado da Palavra única de Deus, outras fontes de testemunho, isto é, outros acontecimentos e outros poderes, outras personalidades e outras verdades que corroborariam a revelação divina. (BROWN, Robert McAfee, Kairos: Three Prophetic Challenges to the Church, Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1990.).

Esta concepção de Barth, refletida neste documento, custou-lhe a cadeira de professor universitário por recusar-se a usar a saudação “Heil Hitler!”, sendo expulso da Alemanha, em 1935. Passou então a lecionar na Suíça, na Universidade de Basel, continuando a auxiliar estudantes e fornecendo literatura teológica para os pastores alemães. Sua influência teológica cresceu mundialmente entre todas as tradições cristãs.
Apenas no período do pós-guerra, especificamente depois da Segunda Guerra Mundial, sua teologia foi tornando-se mais clara e mais polêmica. Ele notoriamente inserido dentro da tradição Reformada passou a rejeitar o Batismo Infantil, e a razão subjacente para isto encontra-se no seu entendimento de que o Batismo não é Sacramento. Sua posição pode ser resumida como se segue: o batismo não é um sacramento, e sim uma resposta ao único sacramento da história de Jesus Cristo, da sua ressurreição, do dom do Espírito Santo, e que, portanto, o batismo das crianças deve ser descartado como “uma práxis penitencial profundamente distorcida”. (Barth, O ensino da igreja acerca do batismo, Porto: [s/ed.], 1965).
Barth também rejeitou a Hemenêutica existencial de Bultmann, pois ele mesmo diz que a “o Novo Testamento de Bultmann, quando liberado dos mitos (reais ou imaginários), exalou um ‘forte odor de docetismo’”. (Apud, SCHWARZ, Mudança de paradigma da Igreja, p. 156).
Os temas teologicamente elaborados por Barth são variados que podem ser agrupados em 12 princípios basilares para se compreender a teologia que ele desenvolveu:

1. A dogmática é uma função da Igreja.
2. A dogmática deve estar baseada na Palavra de Deus somente.
3. A primeira e última pergunta da dogmática é a pergunta sobre Deus.
4. A dogmática sabe que Deus se revelou somente em Jesus Cristo.
5. O pensamento dogmático sobre a revelação de Deus em Cristo é um pensamento automaticamente trinitário.
6. A dogmática relaciona todas as partes [loci] da dogmática para seu centro cristológico.
7. A dogmática reconhece seus limites e preserva o mistério de Deus.
8. A dogmática insiste na liberdade do Evangelho de uma relação de a priori com a existência humana.
9. O pensamento dogmático não separa a ética da dogmática.
10. A dogmática se recusa a admitir qualquer tipo de dualismo e assim se recusa a considerar o mal tão seriamente quanto a graça.
11. A dogmática se move da ação para a existência, da realidade para possibilidade, do Evangelho para Lei, do “sim” de Deus para o “não” de Deus.
12. O pensamento dogmático sabe que uma dogmática pode ser arquiteturalmente bonita e teologicamente exata. (BOLICH, 1980, pp. 121-122).

É digno de nota que para Barth, a “dogmática é a ciência na qual a Igreja, segundo o estado atual do seu conhecimento, expõe o conteúdo da sua mensagem, criticamente, isto é, avaliando-o por meio das Sagradas Escrituras e guiando-se por seus escritos confessionais” (BARTH, Esboço de Uma Dogmática, 2006, p.12-13).
Deus é “absolutamente diferente. Não está relacionado a nenhum processo de aperfeiçoamento de algo que seja bom.”. (FERREIRA, 2008, p. 435) Deus se revela em Cristo, mas ele continua sendo o absolutamente o Outro. E o real encontro que homem pode ter com Deus é somente em Jesus Cristo. E assim somos introduzidos ao conceito real de revelação de Deus na vida da Igreja.
A doutrina da revelação de Barth – ou a palavra de Deus – é condicionada do principio ao fim pelo contraste entre tempo e eternidade. Esta pressuposição constitui um elemento de idealismo na teologia de Barth, que de outro modo toma a forma de protesto contra a tradição idealista. “Eternidade” neste contexto não sugere prolongação do tempo, ou eternidade no sentido bíblico de nova era. Como Barth usa o termo, refere-se em lugar disso, ao puramente transcendental, que nada tem em comum com o tempo e que, portanto, pode estar igualmente presente em todas as épocas. A relação Deus-homem é concebida com paralelo direto do contraste entre tempo e eternidade.

Na teologia de Barth a Palavra de Deus é o conceito central. A Palavra de Deus vem até nós em uma forma tripla: a Palavra pregada, a Palavra escrita e a Palavra revelada. Correspondentemente, a Palavra é, por natureza, fala, ato e mistério – uma triplicidade que está presente em cada forma da palavra de Deus. Esta triplicidade na unicidade e esta unicidade na triplicidade oferecem a única analogia à doutrina da Santa Trindade. (FERREIRA, 2008, p. 436)

O que está inserido neste conceito Barthiano a respeito da Escritura? Está inserido a ideia de que

A palavra de Deus nos confronta na Escritura Sagrada, mas a Escritura não é, no sentido verdadeiro, palavra de Deus; é apenas testemunho dela e aponta para a eterna Palavra de Deus. Da mesma forma, o Cristo da história não é nem Filho de Deus nem Filho do Homem, no sentido exato. Em vez disso “ilustra”, e nos apresenta, como por analogia, as ações do eterno Filho de Deus e providencia o modelo para o papel do homem diante de Deus. (FERREIRA, 2008, p. 436)

Qual é o problema desta concepção de Barth para a teologia centralizada nos ensinos da Ecritura? A resposta pode ser a seguinte, e pensamos que tal resposta faz jus a toda ideia apresentada até o presente momento sobre a teologia de Barth:

Pode-se ir mesmo além e dizer que Cristo – como pessoa histórica – não realizou nossa salvação dentro do contexto do tempo, mas que apenas dá testemunho da salvação eterna, cuja realidade se encontra no decreto de Deus, e a proclama. Como resultado disso, o conceito de salvação de Barth enfatiza o conhecimento: a morte e a ressurreição de Cristo deram a conhecer ao homem que a salvação eterna consiste nisto, que o Pai primeiro rejeitou e então elevou o Filho. Os que reconhecem este fato foram reconciliados com Deus. A história da salvação como registrada na Bíblia é apenas um reflexo da eterna “história da salvação” (Heilsgeschichte). Aprende-se a conhecer esta através daquela, e é assim, segundo Barth, que ocorre a reconciliação. O perdão dos pecados e a justificação nos fornecem uma analogia e representa aqui no tempo, aquela salvação eterna que é a única que constitui a base e o verdadeiro objeto da fé. Barth evitou usar o termo “história da salvação” (Heilsgeschichte), preferindo o conceito de Geschichte Jesu Christi (“História de Jesus Cristo”). (HÄGGLUND, 1995, p. 349)

Isto nos leva para a sua Cristologia que é exatamente converge toda a doutrina da Revelação e da Palavra de Deus; isto é muito claro conforme nos apresenta Franklin Ferreira:

A Palavra de Deus é, a rigor, a pessoa de Jesus Cristo, que inclui sua encarnação e redenção. ‘Assim a Escritura se impõe a si mesma, em virtude desse conteúdo. Em contraste com todo outro escrito, a Escritura, com este conteúdo – realmente esse! – é Escritura Sagrada’ e ‘isso implica que a Escritura Sagrada também é a Palavra de Deus’. A palavra de Deus, segundo Barth, confronta o homem não apenas na mensagem proclamada, mas também na palavra escrita (a Bíblia), que fornece as normas para a pregação e o critério segundo o qual a pregação deve ser testada. (FERREIRA, 2008, p. 436).


CONCLUSÃO:

A vida e obra de Barth tem sido inspiradora na vida de muitos teólogos, pois, a sua luta para que o Nazismo não se promovesse com o apoio das Igrejas Cristãs de sua época, nos revela que ele foi um profeta levantado por Deus em seu tempo.
Nunca devemos esquecer que graças ao trabalho intelectual e pastoral de Barth a Igreja não se tornou obsoleta, sem nada a comunicar a um mundo que já não acreditava na Bíblia, na mensagem dos pastores, então ele consegue ser ouvido em uma multidão.
Devemos estar sempre atentos para que não façamos injustiças contra Karl Barth, pois, ele tem sido mal compreendido por muitos teólogos. Sua concepção da Palavra de Deus e da Igreja nos tem revelado alguém que de fato ama a Igreja; Deus, a encarnação e centro cristológico abordado em toda a sua obra sugere para nós o cristocentrismo Barthiano.
Mas devemos nos ficar alertados para alguns equívocos da Teologia de Barth como coloca muito bem A.D.R.Polman:

Não negamos os grandes méritos desse teólogo suíço. Sua incansável luta contra o neo-protestantismo, em todas as suas diversas formas, e contra o catolicismo romano não é estéril. Sua franca confissão acerca da Trindade Santa, da Deidade de Jesus Cristo, da absoluta corrupção do homem e da justificação somente pela fé tem fortalecido o coração de milhares de crentes no mundo inteiro. Seu poderoso apelo para que se passe radicalmente do sujeito para o objeto, da colocação do homem piedoso no centro para a focalização de Deus somente, sua passagem de experiências piedosas para a autorizada Palavra de Deus, tem sido uma bênção indizível para todas as igrejas. Em muitos países um novo estímulo, para o estudo da Bíblia deve-se-lhe atribuir, e através de sua obra questões exegéticas e dogmáticas passaram a ser alvo de muito maior interesse. Muitas igrejas aprenderam de novo com ele o que significa ser igreja de Jesus Cristo, igreja que pode e deve ouvir exclusivamente a Palavra do seu Rei e Senhor. (...) Alegremente reconhecemos tudo isso com gratidão. Mas apesar disso não se pode negar que esse punjante pensador submete constantemente a revelação de Deus na Santa Escritura às suas próprias teorias [e.g., sua discussão sobre a Escritura, suas doutrinas da predestinação e da criação]. (...) Em todo o seu pensamento falta-lhe aquela submissão à revelação da Escritura que encontramos de modo excepcional no teólogo não menor do que ele, Calvino. Isso é fatal no terreno santo dos mistérios de Deus. Tudo quanto se desvia da revelação divina exarada na Bíblia ou a diminui não tem valor no reino vindouro de Cristo, e deve ser rejeitado com implacável firmeza pela igreja de Cristo. Só uma teologia obediente à Bíblia pode atravessar séculos. A teologia bíblica de Calvino, pois, ainda viverá na igreja de Cristo muito depois que o poderoso sistema de Barth tiver passado à história. (Apud, FERREIRA, 2008, p. 451).

É exatamente esta falta de submissão constante às Escrituras em temas tão significativos para a vida da Igreja que nos faz recuar com a abordagem teológica de Barth, sua noção de inspiração também é altamente danosa e perigosa para a Igreja, pois, ficamos com uma Bíblia que em algum sentido é Palavra de Deus, mas em outro não é.
Barth ofereceu ao longo de alguns anos três interpretações do Credo Apostólico, mas não os atacou abertamente, todavia, omitiu ideias fundamentais que sempre foram defendidas pelos cristãos antigos. Este tipo de atitude é mais perigoso que qualquer ataque frontal. Sua teologia é importante para a igreja naquilo que se mantém fiel à revelação bíblica.

Embora Karl Barth não possa ser aceito como professor e mestre fidedigno pelo estudante que procura permanecer leal ao modo histórico cristão de entender a inspiração e a autoridade da Escritura, não pode haver dúvida que é imensa a sua contribuição à teologia evangélica. Em primeiro lugar, fez uma crítica radical do liberalismo e do seu otimismo superficial; depois passou a vigorosamente declarar de novo e reformular muitos ensinos cristãos fundamentais. Barth estimulou uma produção tremenda da erudição evangélica. O próprio caráter impressionante da obra de Barth, combinado com o fato de que em muitos aspectos apóia a posição ortodoxa, ao passo que, noutros aspectos revela fraquezas perigosas, e até mesmo fatais, tem dado motivação a vários dos pensadores cristãos ortodoxos mais produtivos. Não somente o criticaram e demonstraram sua divergência do cristianismo histórico e bíblico; mas também procuraram fazer, numa base mais completamente bíblica, aquilo que Barth fez a partir do seu próprio conceito da Palavra de Deus (BROWN, Harold O. J. “A opção conservadora” in: Stanley Gundry (ed.), Teologia Contemporânea, p. 353.).


Barth conseguiu deixar para teologia o maior lema dos teólogos “A Palavra de Deus como encargo da teologia”. Sua teologia foi o redescobrir da palavra para a necessidade humana e dua real validade nesta esfera.







REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


GUNDRY, Stanley (ed.), Teologia Contemporânea ,São Paulo: Mundo Cristão, 1987.
BROMILEY, Geoffrey W. An Introduction to the Theology of Karl Barth Grand Rapids, Michigan: Eerdmans, 1979.
HÄGGLUND, Bengt História da Teologia Porto Alegre: Concórdia, 1995
BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã; um esboço histórico desde a Idade Média até o presente SP: Vida Nova, 1989
GIBELLINI, Rosino. A teologia no século XX ,São Paulo: Loyola, 1998, p. 18.
TILLICH, Paul. Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX ,São Paulo: ASTE, 1999.
KEELEY, Robin (org.), Fundamentos da teologia cristã, São Paulo, Vida, 2000.
Timothy GEORGE, Teologia dos reformadores, São Paulo: Vida Nova, 1994, pp. 163, 165.
MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte; vol. 2 – os teólogos protestantes e ortodoxos, São Paulo: Paulinas, 1980.
CORNU, Daniel. Karl Barth: Teólogo da liberdade, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971.
LANE, Tony. Pensamento cristão; vol. 2 ,São Paulo: Abba, 1999.
HENRY, C. F. H. Fronteiras na teologia moderna , Rio de Janeiro: JUERP, 1971.
BOLICH, Geoffrey. Karl Barth & evangelicalism (Downers Grove, Il: InterVarsity Press, 1980)
BARTH, Karl Dádiva e Louvor; artigos selecionados ,São Leopoldo: Sinodal, 1986.
____________, Karl. Evangelical Theology – An Introduction, New York: Holt, Renehart and Winston, 1963.
____________. Esboço de Uma Dogmática, São Paulo: Fonte Editorial, 2006.
____________. Church Dogmatics, New York: G. W. Bromiley e T. F. Torrance, 1936.
FERREIRA, Franklin. História da Igreja. São Paulo: Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, 2002.
LATOURETTE, Kenneth Scott. Uma História do Cristianismo – vol.1 & 2, São Paulo: Hagnos.2007.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

FÉ E DÚVIDA


Introdução:
Vivemos em um mundo pós-moderno onde temos a época da fé e da dúvida estabelecida; a fé mistificada tem sido o alvo das pregações contemporâneas, mas a dúvida está estampada no rosto da sociedade atual. De onde viemos? Para onde iremos? Como viveremos? São perguntas cruciais à existência humana como um todo.
A temática deste artigo é discutir essa relação contundente entre a “Fé e a Dúvida” religiosa, pois, o nosso tempo precisa ser aclarado por estas duas palavras significativas. O apogeu do conhecimento em nosso tempo tem sido, acertadamente, caracterizado de “estados permanentes de dúvida” (ESTRADA, 1999, p.9). Ninguém segue mais os absolutos, pois, houve “uma mudança conceitual da verdade” (SHAEFFER, 1981, p.13), e assim, a dúvida dominou a mente dos homens contemporâneos.
O homem ficou abaixo da “linha do desespero” (SHAEFFER, 1981, p.16-17). E este desespero se acentua ainda mais quando o homem cai no mito da neutralidade, ou seja, o homem vive, respira, estuda com o senso de que tem sido neutro em suas interpretações da realidade existencial; sendo assim, afirmam que podem ser neutros no campo da fé ou da dúvida.
A ciência tem sido usada para promover tanto a fé como a dúvida; mas os cientistas ainda insistem na neutralidade. Como alguém já disse: “Como bem sabemos a maioria dos cientistas e eruditos insistem na neutralidade e objetividade da ciência. Postulam em conseqüência que a ciência não está influenciada ou afetada por sentimentos, fé ou critérios predeterminados a respeito da vida”. (RIESSEN, 1996, p.8).
Este tem sido o tempo no qual estamos inseridos como seres pensantes, pastores, teólogos e homens e mulheres que tencionam a clareza e a verdade. Ou ainda, pessoas que buscam sentido e coesão na realidade existencial deste mundo. A fé é questionada e a dúvida é valorizada acima de tudo. O que é benéfico para a religião a fé ou a dúvida?

terça-feira, 28 de julho de 2009

ESTUDANDO O LIVRO DE ATOS

IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL.
CURSO DE INTRODUÇÃO À BÍBLIA.





A IGREJA NA NOVA ADMINISTRAÇÃO PACTUAL.
João Ricardo Ferreira de França*
Texto: Atos 1.1-26.
Introdução:
O Livro de Atos dos Apóstolos tem sido deveras negligenciado pela Igreja de nossos dias. Essa negligência se dar por causa do desconhecimento fundamental e basilar do seu conteúdo histórico e teológico. É nosso dever resgatarmos este livro em nossa Igreja. A obra bíblica digna-se ser a continuação de uma obra anterior, pois, o seu autor começa dizendo que já havia escrito o “primeiro tratado” (v.1). Isto nos leva para algumas considerações introdutórias ao nosso curso:
1. O Nome do Livro: É curioso que o texto sagrado seja chamado de Atos dos Apóstolos. Alguns homens tem suscitado que o tema do livro deveria ser “Atos do Espírito Santo”, outros tem sugerido que deveria chamar-se “Atos Missionários da Igreja”. Surge-nos uma questão: O livro é peneumatocêntrico? Ou livro é missiológico? Seguiremos a posição de que o nome do livro poderia ser dado como “Atos de Cristo por meio dos Apóstolos”, pois, o seu autor diz que este segundo volume de sua obra foi escrito para narra o que “Jesus começou a fazer e a ensinar”. Quanto ao nome que tradicionalmente seguimos não temos objeção, pois, “Atos dos Apóstolos” dignificam a ação do Espírito de Cristo sobre a vida apostólica: na comunhão, na evangelização, e na vida eclesiástica conforme narrada no livro.
2. Autoria do Livro: O autor de Atos é “também o autor do Evangelho de Lucas; ele mesmo diz no prólogo de Atos. A primitiva tradição Cristã atribui a Lucas a autoria de Atos”.[1] O que atesta a favor dessa posição é o fato de que o escritor deste livro bíblico conhece “o Antigo Testamento na versão grega conhecida como Septuaginta, possui um ótimo conhecimento das condições políticas e sociais vigentes em meados do século I e tem o apóstolo Paulo em alta estima”.[2] É digno de nota que o autor passa a empregar o pronome “nós” a partir do capítulo 16.10.
3. Data e Ocasião: Qual a data em que Atos foi escrito nós posicionamos o livro na data de entre os anos 60 e 68, não pode ser uma data que passe do ano 70, pois, Lucas registraria a queda e a destruição de Jerusalém. Carson nos diz que a conclusão de Atos, “como argumentamos, indica que o livro foi escrito em c.62 d.c” [3]
4. O propósito do Livro: Qual a finalidade de Lucas escrever tal livro? “Parece que o autor tinha em mira a multidão crescente de novos cristãos e interessados que tivesse a mesma necessidade de Teófilo, de conhecerem os fatos autênticos da nova fé”.[4] Marshall sugere que Téofilo, ainda que fosse alvo deste escrito, não era uma pessoa definida sugerindo que Lucas “estivesse suprindo os cristãos de seu tempo, representados por Teófilo, com uma narrativa das origens cristãs, a fim de confirmar a autenticidade do evangelho que estava sendo pregado e ensinado.” [5]
Exposição:
Vs.1-5. Aqui nós temos a apresentação do prólogo do livro somos introduzidos aos conceitos fundamentais do livro. Somos informados que este livro trata-se de um segundo volume de uma obra anterior – neste caso o evangelho de Lucas – Também temos aqui o nome do personagem a quem este livro é destinado “Teófilo” (amado por Deus).
a. Apresentando que este registro deve-se ao fato da realidade da ressurreição de Cristo apresentada com incontestáveis provas.
b. As provas encontram-se registradas no primeiro livro (Evang. Lucas) no capítulo 24.36-43.
I – A MISSÃO DA IGREJA. (v.6-8)
Este texto tem algumas lições pertinentes para a Igreja de Cristo. Os discípulos haviam identificado a promessa do consolador sobre a Igreja como sendo a restauração do reino. A temática do Reino de Deus transparece na mente dos discípulos, todavia, Cristo centraliza-se em outro aspecto mais significante. Eles estavam preocupados com uma chegada do Reino de Deus, e ainda, não haviam dado conta de que estavam diante daquele que acabara de trazerrr o Reino ao mundo.
Os apóstolos pensavam “num reino terreno e judaico justamente como fazem os pré-milenistas, que tem em suas mentes um reino terreno e judaico, no segundo advento de Cristo” [6]. Cristo lhes responde dizendo “não vos compete conhecer tempos ou épocas que o Pai reservou pela sua exclusiva autoridade;” no grego temos dois termos para descrever tais períodos (tempos e épocas); os vocábulos conforme o grego são Kronos e kairos. O primeiro termo indica largo período de tempo; enquanto que o segundo indica um curto tempo – ou um transcorrer rápido de tempo.
Cristo diz que não era da competência deles especularem quando haveria de se estabelecer o reino de forma plena, isto porque o Reino estava na proclamação Kerygmática (pregação) de Cristo e na promessa da chegada do Espírito Santo. Este é o ponto que temos diante de nós. Pois, não é o esforço humano que vai trazer a plena manifestação do Reino – mas o próprio poder de Deus! – aqui fica claro pelas palavras de Cristo. Então, Cristo volta-se e diz: “mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (vs.8).
Como começa o versículo 8? Ele começa colocando-nos uma oposição, ou melhor, um contraste com aquilo que estava sendo dito pelos discípulos, ele diz: “mas” esta palavra é uma conjunção adversativa; e no texto grego “alla.” é uma palavra usada para expressar algo com intensidade, enfatizar, chamar a atenção. Cristo está dizendo que eles deveriam deixar de pensar escatologicamente concernente a um reino futuro e visível. A função da Igreja é proclamar a mensagem do Reino e não especular quando o reino será plenamente manifestado.
O nosso texto diz: “Recebereis” este verbo no texto grego é “lêmpsesthe” ele é um verbo defectivo, pois, está na voz média depoente, ou seja, é um verbo que tem a forma passiva, todavia, o sentido é ativo; o modo é indicativo e o tempo é futuro. O modo indicativo aponta para a certeza do recebimento. Eles de fato são assegurados disso, e o futuro indica que não é uma mera conjectura, mas expressa que isso de fato ocorrerá.
A questão diz respeito o conteúdo deste recebimento que é o “Poder”. A palavra que encontramos aqui é um substantivo no caso acusativo feminino singular, este termo no grego “dynamin” possui uma série de significados tais como ‘força’, ‘habilidade’, capacitação’. Como entender o termo aqui neste texto? Pensamos que a palavra deve ser compreendida no sentido de “habilitação’ ou ‘capacitação’. É um poder que capacita ou que habilita. Mas, quando vem tal poder capacitador? Em que momento a Igreja experimentaria tal poder? O texto nos diz que é quando “descer sobre” aqui Lucas usa um particípio grego “épelthontos”.
Sabemos que o particípio refere-se a uma ação passada com resultados duradouros; no caso em apreço nós temos um verbo no particípio aoristo que indica uma ação passada de forma completa e única – não repetida – ou seja, Lucas diz que a Igreja receberia tal poder depois de algo “descer sobre ela”, uma melhor tradução que expressaria adequadamente o sentido deste particípio seria “tendo descido sobre”. (derramado)
A questão é: o que seria “derramado” ou que “viria sobre” a Igreja? A resposta vem posteriormente, diz o texto “tendo descido o Santo Espírito”. Note que não é o poder que é derramado, mas o Espírito que gera o poder é que é derramado. Notemos que este Espírito é adjetivado como sendo santo. O atributo de santidade do Espírito não é negligenciado pelo Texto, refere-se que este poder que a Igreja receberia não seria corrompido, mas santo, pois, sua fonte é o Espírito Santo de Deus.
A Igreja não é santa em si mesma. Ela é santa porque é a habitação do Espírito Santo, outro aspecto teológico disso é que o Espírito Santo vem graciosamente habitar na Igreja. Ele é derramado sobre a Igreja conferindo a ele um poder sem igual neste mundo, um poder que somente ela tem e nenhuma outra instituição pode ter tal poder que é conferido à Igreja, nenhum Simão pode comprar tal doação divina!
Mas, sobre que vem o Espírito Santo? Sobre todos os homens? Não. O Espírito vem sobre o povo do pacto – este povo chamado Igreja – sobre ninguém mais, pois, o lugar de habitação do Espírito Santo. O Espírito seria derramado abundantemente sobre a Igreja neotestamentária “eph hymas”- sobre vós – Cristo particulariza a habitação do Espírito, assim como a redenção é particular, os efeitos e a aplicação da mesma redenção devem ser particulares. O mundo não pode receber o Espírito Santo, pois não vive no momento escatológico da ressurreição e ascensão de Cristo aos céus, e nem muito menos tem a esperança, esta outorgada pelo Espírito, da volta de Cristo[7]. O Espírito deve habitar naqueles que são alvos da morte redentora de Cristo. Isto significa que a habitação do Espírito é para os eleitos de Deus.
Com qual finalidade o Espírito seria derramado na vida da Igreja? Qual é a conseqüência disso na vida da Igreja? A conseqüência é que a Igreja seria transformada em proclamadora de Cristo ao mundo. O Espírito Santo habita na Igreja para fazê-la uma testemunha da obra de Cristo aos homens.
Cristo diz: “sereis minhas testemunhas” o autor do livro usa o verbo “esesthé,” que é um indicativo futuro na Segunda pessoa do plural. Chama-nos atenção o modo como este verbo está sendo o usado – ele está no indicativo – o modo indicativo aponta para um fato concreto, ou seja, de fato vocês serão minhas “testemunhas”. O uso do pronome possessivo aqui “minhas” - mou– indica-nos que Cristo continua sendo o Senhor da Igreja e que exige delas (das testemunhas) o não silenciar-se diante do mundo. O senhorio de Cristo é manifestado mesmo quando somos vocacionados a proclamar o evangelho, pois, sempre estaremos proclamando a Palavra de Cristo e não a nossa. A Igreja foi transformada e capacitada a ser “testemunha” o termo grego aqui “martyres” significa mais que pregar o evangelho com a voz, pois, o termo é usado para aquele que é martirizado por causa do evangelho. Ou seja, na vida e na morte a Igreja deve testemunhar de Cristo ao longo dos tempos. Cristo deve ser visto na pregação e na vida da Igreja – esta foi a capacitação que a Igreja recebeu do Espírito Santo.
Cristo não apenas nos promete a capacitação adequada, que é manifestada pelo Espírito Santo, mas também ele nos indica o caminho por onde a Igreja deve trilhar, por onde a Igreja deve agir. Ele diz: “em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.”
A missão deles era “informar todas as pessoas, em todos os lugares do mundo, a respeito de tudo quanto tinham visto, ouvido e tocado” [8]. Três proposições báscias são aprendidas aqui na vida da Igreja quando ela é habitada pelo Espírito Santo:
1. Sem o Espírito não há poder.
2. Sem poder não há testemunho eficaz
3. Sem testemunho não há avanço do evangelho.
II - A ASCENSÃO DE JESUS. ( VS.9-11).
Este texto é muito importante para a vida da Igreja cristão. Isto porque ele apresenta duas verdades singulares: 1 – a realidade da ascensão de Jesus. 2 – lança luz sobre a segunda vinda de Cristo.
No primeiro caso tencionamos afirmar que não se tratou de uma visão espiritual nem de uma ilusão. Esta elevação de Cristo aos céus ela foi visível e corpórea.
E no segundo caso, aprendemos esta valta será também do mesmo modo.
III – ESPERANDO EM JERUSALÉM (vs. 12-14).
Jerusalém ficava perto do Monte das Oliveiras. Lucas refere-se à distância com expressão “caminho de um sábado”. Essa distância era a que os regulamentos dos escribas permitaim a um judeu viajar num dia de sábado, ou seja, de 2.000 côvados, pois, “a viagem que poderia fazer num sábado era algo menor que um quilômetro”[9]. Os apóstolos estavam reunidos em um cenáculo, este local era uma sala grande de jantar, no segundo andar que tinha capacidade para mais de 100 pessoas.
Somos informados que havia muitas pessoas com os apóstolos formando uma congregação de cerca de 120 pessoas (Atos 1.15). Lucas apresenta algumas pessoas importantes incluindo a mãe do nosso redentor.
IV – ESCOLHENDO UM SUBSTITUTO PARA O MINISTÉRIO APOSTÓLICO. (vs.15-26).
Judas havia se suicidado e agora deveria haver algum para tomar parte no lugar que fora dele. O assunto foi apresentado por Pedro que citou o trecho do Salmo 69.25 associado com o Salmo 109.8. A escolha foi realizada pelo lançamento de sortes, então, Matias foi eleito para ser o novo apóstolo da Igreja, seguindo as credenciais apresentada pela Igreja. Duas verdades são claras aqui
1. A Igreja deve tomar decisões quando julgar necessário.
2. Estas decisões deve ser norteadas pela Palavra de Deus.


* O autor destes estudos é membro da Igreja Presbiteriana do Brasil. Candidato ao Sagrado Ministério pelo Presbitério do Recife. Está graduando-se em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, trabalha como Seminarista na Congregação Presbiteriana em Prazeres – Jaboatão dos Guararapes – PE.
[1] LIMA, Delcyr de Souza. Atos I – Capítulos 1-14. Rio de Janeiro: JUERP, 1994. (Série A Bíblia Livro por Livro), p.5.
[2] CARSON,D.A. Introdução ao Novo Testamento. Tradutor: Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.208.
[3] Ibid, p.218.
[4] CRABTREE, A.R. Introdução ao Novo Testamento, Rio de Janeiro: JUERP, 1987, p.154.
[5] MARSHAL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento – Diversos Testemunhos, um só Evangelho. Tradutoras: Marisa K.A. de Siqueira Lopes, Sueli da Silva Saraiva. São Paulo: Vida Nova, 2007, p.139.
[6] CARROLL, A.H. Los Atos, El Paso: Casa Batista de Publicações, 1989, p. 27.
[7] Estou pensando como teólogo bíblico, mas não estou negando que haja alguma operação do Espírito na vida daqueles que não são crentes, pois, sabemos que a doutrina da Graça comum diz respeito a essa operação do Espírito na vida dos não eleitos.
[8] LIMA, Delcyr de Souza. Atos I – Capítulos 1-14. Rio de Janeiro: JUERP, 1994. (Série A Bíblia Livro por Livro), p.6.

[9] BARCLAY, William. Atos dos Apóstolos. Argentina: Ediciones La Aurora, p. 21.